terça-feira, 8 de novembro de 2011

Evangelho: saber e prática

Quando se trata do Evangelho, há os que se contentam em saber, embora não pratiquem, e há os que praticam sem preocupção com o saber que vá além do essencial, que é o amor em ação.

O saber, em sentido não apropriado, é o acúmulo de informação que não leva, necessariamente, à transformação interior. Ele é típico da mentalidade acadêmica, no mau sentido, esta aferida pela quantidade de textos que publica.

O crente do tipo acadêmico pode não ser um publicador de textos, mas um orgulhoso citador da Bíblia. Para cada situação ele pode citar muitos versículos, pois os decorou sem tê-los, contudo, introjetado no seu coração.

Entretanto, o praticante do Evangelho não perde tempo com demonstrações de saber. Ele não cita, necessariamente, versículos da Bíblia para justificar-se, embora possa fazê-lo ocasionalmente. Ele age.

Contudo, a integração entre saber - ter na memória - e prática pode gerar uma atitude semelhante à atitude científica. A razão, sempre alerta, avalia os resultados da prática e, pela reflexão, pode-se caminhar paulatinamente para a sabedoria, esta integradora do saber e da prática.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A doutrina rigorosa e a doutrina relevante

A realidade impõe-se ao homem, sem piedade. Ela lhe diz: - decifra-me ou morra!

Entretanto, ao envolver-se com a realidade, o homem pode fazê-lo de forma rigorosa, como fazem os acadêmicos e os cientistas, ou de forma relevante, como fazem os homens práticos sem formação teórica sistemática nos seus campos de atuação.

A justiça, na sua forma rigorosa, é uma ilusão, disse Hans Kelsen no seu livro A Ilusão da Justiça. Isso foi ilustrado muito bem no filme O Mercador de Veneza. Assim também ocorre com a doutrina rigorosa. Pode-se dedicar a vida toda a ela sem que se consigam os resultados mais elementares conseguidos por aqueles que apenas praticam o bom senso no dia-a-dia.

A doutrina rigorosa foi defendida tanto pela Igreja Católica Apostólica Romana como pelos Reformadores do Século XVI. E ambos ficaram em lados opostos em muitos assuntos, preferindo a eliminação física mútua do que arrefecer o rigor de suas doutrinas. O rigor a que se referiam tinha natureza lógica, mas não era ratificado nem corrigido pela prática.

Enquanto isso, o amor, que não se submete a qualquer tipo de doutrina, foi posto de lado, ou interpretado de forma a atender os interesses dos doutrinadores rigorosos. Contudo, o amor só pode ser encontrado onde é praticado de forma relevante, sem necessidade de qualquer teoria. Ninguém consegue explicar o amor, mas todos o identificam quando o veem em ação.

Assim, pode-se dizer que há muitas doutrinas conflitantes entre si que se dizem rigorosas, e apenas uma doutrina relevante: a do amor. Pratiquemos, pois, o amor onde quer que estejamos. Na prática ele signfica respeitar e cuidar de forma incondicional daqueles que necessitam de nós e que estão ao alcance de nossas ações ou palavras confortadoras.

Sejamos, pois, rigorosos na doutrina, se possível; porém, sempre relevantes na atenuação do sofrimento do próximo!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Fé, amor e razão

Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Hebreus 11:1

Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor. 1 João 4:8

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. João 1:1

A fé e o amor, em sentido genérico, são comuns a todo ser vivo. Equivale ao instinto e, quanto a isso, é inteiramente natural.

O Verbo, ou Palavra, é também o Logos, ou Razão. Compete à razão dominar o instinto, evitando que se engane e que se manifeste apenas como descarga natural de tensões.

Portanto, a fé que remove montanhas sem ação não é a condição humana normal. O homem, vivendo no corpo material, necessita usar sua fé para interagir com o seu entorno, envolvendo outros homens e a natureza.

A felicidade verdadeira do homem está no amor, e a plenitudo do amor pode ser encontrada na sua expressão máxima: Deus. "(...) o reino de Deus está entre vós. Lucas 17:21".

Então, o amor é a grande síntese. Quem o encontra não precisa de mais nada. Porém, a condição humana não é a do amor puro, pois isso só seria possível se ele fosse espirito puro.

A condição humana exige ação transformadora dos elementos naturais colocados à sua disposição. Para tal devem entrar em ação a fé e a razão.

Portanto, quem é puro amor é um com Deus. Jesus Cristo foi a figura central que expressou essa condição. Ele era Filho de Deus, e era um com Deus, e era, então, Deus.

Mas, o homem, embora seja filho do Altíssimo, e sendo deus, não é Deus. Ele pode conhecer Deus pela fé, mas só amando pode-se dizer que O conhece verdadeiramente. E, como homem, precisa usar sua razão, que é uma fraça infinitesimal da Razão/Logos de Deus.

A razão permite ao homem agir com método, coordenando a fé e o amor para que não se engane, ou se engane o mínimo possível, ou que elimine os erros enquanto age por necessidade ou por decisão de agir de forma planejada. Assim, pode-se dizer que se atinge o máximo da condição humana livre pela vida racional.

A vida racional realiza-se plenamente, por sua vez, no amor que transcende a condição humana.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A opinião, a crença e o saber em religião

A opinião em religião, como em qualquer outra área, não tem valor objetivo ou subjetivo. Ela pode ser aceita sem ressalvas num "brainstorm", cuja regra exige aceitação sem julgamento, até segunda ordem. Mas só isso.

A crença em religião foi devidamente desmoralizada no versículo "Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem. Tiago 2:19".

E quanto ao saber?

O saber é tanto objetiva quanto subjetivamente suficiente. Entretanto, deve-se pensar o saber na sua dimensão integral.

Sabe-se por ouvir falar, o que, de fato, não tem nada a ver com o saber ao qual estou me referindo.

Sabe-se por saber fazer, o que é mais profundo do que o saber falar, embora o falar com eloquência sobre qualquer assunto possa trazer mais prestígio do que o saber fazer puro.

Sabe-se integalmente quando se fala e faz, e se reflete sobre a prática. Entretanto, pode-se saber tacitamente, sem saber falar a respeito, mas apenas praticar.

A fé, que é superior à crença, é um saber que pode ser do tipo tácito: pode-se vivê-la sem saber explicá-la, como os místicos pouco intelecutalizados.

Porém, algumas poucas pessoas integram bem o saber o e fazer, de forma tácita e explícita. Nessas pessoas, lógica e mística, ou razão e fé, combinam-se com a prática.

Em última instância, quem atingre um nível tão elevado acaba fazendo silêncio, pois, falar muito a respeito seria como dar pérolas aos porcos.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Perdoar e pedir perdão

E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; Mateus 6:12

Perdoar é um santo remédio. Quem não perdoa é como se guardasse dentro de si uma bolsa que instilasse veneno diretamente na sua corrente sanguínea. Portanto, perdoar é uma necessidade para quem perdoa, e não depende do consentimento de quem é perdoado.

Já pedir perdão é mais difícil. Em primeiro lugar, é preciso ter coragem de vencer o orgulho para pedir aquilo que, eventualmente, não será concedido pelo outro. Porém, acredito que o pedido honesto, se não for aceito pelo próximo, será aceito diretamente por Deus.

Quando pedimos perdão a Deus, o prerrequisito é que sejamos capazes de perdoar. Vejo dois caminhos a seguir.

O primeiro caminho consiste em perdoar e pedir perdão ao próximo e, em seguida, pedir perdão a Deus. E Ele, como última instância, nos livrará de toda culpa, fazendo com que perdoemos a nós mesmos.

O segundo caminho consiste em pedir perdão a Deus e, com o coração pacificado, perdoar e pedir perdão ao próximo.

Em verdade, o perdão, muito antes de ser dado ou pedido por meio de palavras diretamente ao próximo, é um ato que acontece na mente e no coração, diante de Deus.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Tu crês?

Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem. Tiago 2:19

Essa chocante afirmação de Tiago induz-me a divulgar menos as minhas crenças, além de diminuir o meu escopo em relação a elas. Ela aumenta minha convicção de que o Evangelho é simples, porém difícil de praticar. Mas vale a pena tentar vivê-lo. Que Deus me ajude.

sábado, 17 de setembro de 2011

Os dois amores

O homem está condenado a viver sob a pressão extrema de dois amores incompatíveis que reivindicam exclusividade. Isso o submete a uma tensão às vezes insuportável, a não ser que ele consiga mergulhar em cada um desses amores esquecendo o outro por alguns instantes.

Como alma vivente, o homem não pode deixar de amar sua condição atual, sob pena de tornar-se insano. Não pode abandonar o corpo, pois está nele, e sem ele não pode viver sua condição humana. E isso lhe é concedido quando se afirma que deve "amar ao próximo como a si mesmo". Mas, o que é esse "si mesmo"?

O homem está sempre sob a tensão do seu passado-presente-futuro, de uma paixão indecifrável que o faz suspirar de desejo de reecontrar o seu primeiro amor, o único e verdadeiro que poderá preencher a lacuna que se formou no seu coração desde que nasceu na Terra.

A lacuna que se forma no coração humano é um mistério. Ninguém pode compreendê-la, nem preenchê-la, mas, de reprente, ela pode ser preenchida instantaneamente quando o coração se deixa permear pela presença invisível do seu primeiro amor: o Espírito Imortal.

E, no mister de amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo, sente-se o homem um futuro ex-miserável, ao projetar-se na sua condição real, esta fora de seu invólucro material. Assim, ele ama o que está na sua essência; mas, não pode ignorar sua corporeidade atual.

O homem vive, pois, no limiar de um paradoxo terrívelmente dolororoso e, ao mesmo tempo, saboroso. Ele precisa, a cada momento, lutar para tornar-se aquilo que, em potencial, já é. E ele é, em potencial, eternamente feliz ao lado do Altíssimo, do qual é filho.

Imerso na carne, e amando a carne, o homem vive segundo a carne. Ele pode ser momentaneamente feliz, mas só isso. Em seguida ele geme de dor pela carência daquilo que é sua íntima essência: luz, e amor. Assim, o homem vive uma espécie de paixão recolhida. Ele sofre e, ao mesmo tempo, é feliz só de lembrar-se de sua origem e destino.

Embora tenha dois amores o homem sabe, intuitivamente, que só poderá ser plenamente feliz quando dedicar-se a um só amor: o amor de Deus. Então, ele não tem alternativas senão abondonar, progressivamente, o amor à carne e ao mundo, purificando-se para viver exclusivamente o amor de Deus.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A religião verdadeira

"A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo. Tiago 1:27"

Tiago faz-nos voltar à realidade. Discursos, doutrinas severíssimas e impossíveis de praticar, cultos esteticamente perfeitos, nada disso é necessário à religião verdadeira.

A verdadeira religião consiste na prática do amor. Quanto a isso, os formalistas, ou legalistas, são inimigos do Evangelho, "Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; Mateus 23:4".

Portanto, a reforma contínua da religião consiste em, continuamente, buscar a simplicidade capaz de tornar inteligível e praticável por todos a religião que Cristo e Tiago apresentaram na sua forma mais pura.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A questão dos milagres

Um milagre é a ocorrência de um fenômeno excepcional que, aparentemente, viola uma lei natural. Ora, para o ignorante, que não conhece as leis da natureza, tudo é milagre. Para o especialista, como o astrônomo, não há milagres no seu campo.

Se partirmos de um ponto de vista mais amplo, tudo é milagre, pois não temos explicações últimas para nada, a não ser pela fé. Por outro lado, nada é milagre, pois, presumivelmente, tudo acontece segundo leis, ainda que desconhecidas.

O maior milagre é a vida. Ainda que os especialistas do ramo possam interferir nos fenômenos aos quais ela está ligada, nenhum deles jamais deu uma explicação satisfatória sobre sua origem e destino. Toda explicação científica a respeito parece tão infantil que nem merece ser levada em consideração.

Há pessoas que clamam por milagres pelo simples fato de terem medo de morrer ou de sofrer. Outras querem o milagre da prosperidade sem trabalho inteligente. Nos dois casos, quando ocorrem, os milagres podem ser contraproducentes, pois podem alimentar a indolência e o egoísmo. Esse tipo de pessoa está disposta a pagar pelos milagres recebidos como num negócio com Deus.

Assim como o homem não vive só pelo pão, não deve esperar viver por milagres. Contudo, cabe a Deus decidir quando um milagre deve ser feito para educar as suas criaturas. Ele é o Senhor dos milagres!

Apesar de acreditar que tudo é milagre, preciso de alguns milagres especiais. Se eles vierem, espero usá-los com fins educativos. Se não vierem, espero aprender algo útil com as lições inerentes à situação.

Seja feita a vontade Deus!

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A autorrealização do deus que está no homem

A Bíblia afirma coisas que não entendo. Por exemplo, a predestinação para o céu ou para o inferno. Quanto a tudo que não entendo, não aceito escolher entre interpretações conflitantes feitas por pessoas igualmente qualificadas e piedosas. Assumo minha ignorância e procuro viver com ela até que receba iluminação da parte do Pai.

Por outro lado, há afirmações que sou obrigado a aceitar e agir de acordo com elas. A alternativa é rejeitar a Bíblia como fonte de uma religião racional. Por exemplo, está fora de cogitação, para mim, duvidar que toda a Lei se realiza no amor, conforme está descrito em diversas passagens. Mas sei que a vida não é só amor, mas também luta contra obstáculos materiais e contra o desejo desmedido.

Aceito, sem qualquer sombra de dúvida, que a Verdade, que é Deus, contém, em si mesma: a Razão, o Amor, a Fé, e tudo o mais que for pertinente. Acredito que, em relação a Ele, devemos agir como fieis depositários dos Seus Mandamentos, evitando excesso de palavras para expressar nossa ignorância a Seu respeito. Sobretudo, não nos cabe fazer afirmações indevidas sobre o Seu escopo de atuação.

De repente minha atenção se concentrou nas seguintes passagens, as quais aceito sem questionamento, independentemente de serem literais ou analógicas:

E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente. Gênesis 2:7

Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo.Salmo 82:6

Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses? João 10:34

Essas passagens, aceitas como axiomas, não precisam ser provadas. Contudo, há consequências lógicas implícitas na sua aceitação. Ela dá ao homem um valor potencial elevado a ser realizado durante sua vida. A necessidade de autoconhecimento torna-se mais intensa, uma vez que, assim como afirmou Platão, "o homem é um deus, mas disso se esqueceu". Delimitando bem a situação, foi dito que o o homem é deus, filho do Altíssimo, mas não é Deus. Sob esta perspectiva, deus pode ser sinônimo de espírito, enquanto Deus, sinônimo de Espírito, ou Altíssimo.

O homem, conforme acredito, precisa adquirir esse conhecimento sobre si mesmo. Enquanto não o faz, ele é, realmente, um miserável pecador. Quanto ao ignorante pecador, disse Jesus: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. (...). Lucas 23:34". Contudo, parece-me lógico que, ao conhecer sua essência, e rejeita-la, querendo isolar-se, ou competir com Deus, esse tipo se torna o diabo.

Entretanto, o deus potencial que o homem é, deve realizar-se pela educação. E isso exige professores autorrealizados para conduzí-la. O exemplo máximo de professor é Jesus Cristo. Seus representantes na Terra não são aqueles que a religião formal designa como tais, mas aqueles que vivem segundo suas Palavras, que são o amor em ação, juntamente com a razão, e que exige fé e esperança.

O deus potencial que existe no homem torna-se atual pela dinâmica existencial, isto é, a sua luta pelas condições de existência. Nessa luta, ele passará por muitas tribulações, e as tribulações, ao serem enfrentadas com fé, amor e esperança, sob a coordenação da razão, geram o homem com domínio próprio, ou autorrealizado em Cristo. Tendo sofrido, esse homem pode compreender o sofrimento do próximo. Tendo amado e sido amado, ele pode amar.

Contudo, não temos controle sobre a autorrealização de ninguém. Cabe-nos apenas semear, cuidar e dar o exemplo. Deus cuidará do crescimento e ceifa, separando o joio do trigo quando lhe aprouver.

domingo, 7 de agosto de 2011

Lula e a Bíblia

Se já é difícil para teólogos experimentados interpretar a Bíblia, imaginem o quanto é arriscado aceitar sua interpretação pelo versátil ex-presidente Lula. Não devido a sua falta de inteligência. Ele é até mais inteligente do que muitos teólogos do passado e do presente.

Lula afirmou:"Bobagem, essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós queremos o reino agora, aqui na Terra. Para nós inventaram um slogan que tudo tá no futuro. É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico ir para o céu. O rico já está no céu, aqui. Porque um cara que levanta de manhã todo o dia, come do bom e do melhor, viaja para onde quer, janta do bom e do melhor, passeia, esse já está no céu".

Duas hipóteses sobre Lula como intérprete da Bíblia:

1. Lula é um materialista assumido, conforme faz crer sua declaração
Se assim for, sua afirmação está coerente com sua opção, mesmo sua interpretação estando errada. Se o materialista convicto há que ir para o inferno, é razoável que viva focado na obtenção de alguns prazeres aqui e agora.

2. Lula não sabe do que está falando
Este parece ser o caso. As passagens por ele citadas não impedem ninguém de possuir riquezas materiais. Elas apenas alertam que as pessoas podem tornar-se escravas da riqueza material e, assim, descuidar-se de sua riqueza espiritual.

Conclusão
Lula falou pelos cotovelos.

sábado, 30 de julho de 2011

O homem é deus?

Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo. Salmos 82:6.

Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses? João 10:34.


Não me atrevo a interpretar o que está escrito acima. Quem acha que está apto que interprete. Mas que é curioso, é. E muito!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Ainda bem que sou fraco e, ao mesmo tempo, forte

Eu sempre quis ser forte emocionalmente. Desde a infância procurei, instintivamente, tornar-me imune a decepções de toda natureza. De fato, consegui algum sucesso a respeito. Pude blindar-me contra as decepções comuns, esperando tudo de todos, de bom ou de ruim.

Porém, eu quase me tornei inútil para o meu próximo. Ficando além da fraqueza comum, passei a transferir meu programa para os outros. Não suportava expressão de dor, ou reclamações. Eu queria que todos ao meu redor já tivessem alcançado um domínio próprio excepcional, tornando-se, como os espartanos, prontos para morrer ou para viver, sem prantos.

Graças a Deus eu estava errado. Em primeiro lugar, minha força era apenas aparente. Quando fui testado, a fraqueza se manifestou no meu coração. Emoções que eu julgava ter vencido voltaram de forma esmagadora. Minha capacidade de distanciamento das situações emocionalmente explosivas ruiu. Vi que minhas fraquezas continuavam dentro de mim. Felizmente, percebi que ainda era humano.

Agora posso entender Paulo um pouco melhor. Se é para ajudar alguém, é preciso compreender suas fraquezas no fundo da alma. Sem compreendê-las, tornamo-nos carrascos, mais do que pastores de almas. Ser tudo para todos, como disse Paulo, implica ser capaz de chorar com os que choram, de sofrer com os que sofrem, não de forma definitiva, mas o suficiente para fazer contato com a realidade interior de cada um.

O santo que se tornou imune a qualquer sentimento é inútil. A menos que tenha a capacidade de, provisoriamente, tornar-se fraco. Um estado mental e emocional fixo não é apropriado para quem vive na Terra. Porém, é preciso ser capaz de viver as emoções e, ao mesmo tempo, distanciar-se delas, vendo tudo como se fosse num filme. Se não for assim a vida torna-se insuportável.

Estou mais alegre agora. Eu, que pensava ser muito forte, sou tão fraco quanto o mais fraco. E, ao mesmo tempo, sou forte. Tudo posso naquele que me fortalece, inclusive sofrer o que os mais fracos sofrem. Assim, posso conectar-me com a realidade e preparar-me para transformá-la junto com o meu próximo.

Obrigado, meu Deus, por ter-me feito fraco e, ao mesmo tempo, forte. Agora entendo que, para compreender a natureza humana, nada do que é humano me pode ser estranho. Mas, isso com a finalidade de transcender o humano, visualisando a existência do puramente espiritual para toda a eternidade.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Domínio próprio

a Bíblia diz que está ao nosso alcance

Em Gênesis 4:7, Deus afirma que Caim tinha a possibilidade de dominar o seu desejo de matar Abel, chamando-o para a difícil tarefa de travar a luta pelo domínio próprio. Tiago ressaltou que a carne é fraca, e que é preciso dominá-la. A receita de Tiago está naquela linha do domínio próprio que está à altura da dignidade do homem que adota Cristo como seu modelo de vida.

O apóstolo Paulo viveu a experiência da luta entre carne e espírito. Ao mesmo tempo, reconheceu que essa luta é necessária e, se vencida, gera alegria indizível. Contudo, ele alertou que não basta contar com a própria vontade para vencer as tentações. Paulo, escolhido por Deus, é um bom exemplo do sofrimento que nos espera, mesmo quando somos usados para anunciar o Evangelho. Ao mesmo tempo, ele é um bom exemplo para ilustrar as recompensas da luta insana contra as tentações da carne.

Eu acredito que, conforme nos foi dito na Bíblia, o homem deve buscar o domínio próprio. Mas, essa talvez seja a luta mais terrível a que o ser humano tem de se submeter. Mais terrível do que qualquer guerra de extermínio. A própria realidade, conforme alertou Sigmund Freud - um ateu - exige que se avance quanto ao domínio próprio ou que se sucumba às leis imparciais da natureza. Portanto, não há alternativa à luta, seja para o ateu, seja para o crente. Mas o crente está em vantagem, pois pode pedir socorro a Cristo, enquanto o ateu só conta com as forças que Deus já lhe imprimiu pela Graça Comum.

Popularmente diz-se que a carne é fraca e o amor é cego. Com isso, busca-se justificar os atos humanos contrários ao interesse do espírito imortal. E há que se considerar que muitas pessoas não têm força suficiente para enfrentar a luta decorrente, a não ser que busquem o apoio de Deus. Conforme nos alerta a Bíblia, em várias passagens, mesmo os escolhidos não conseguiram vencer a luta sem uma porção extra de ajuda.

Davi, embora fosse um homem segundo o coração de Deus, cedeu à pressão da carne. Salomão, embora tenha recebido a sabedoria que pediu a Deus, e a riqueza que não pediu, também cedeu. O rei Manassés fez pior do que todos juntos. Ele queimou os próprios filhos como sacrifício a outro deus, além de ter mandado serrar os profetas do Deus de Israel. Contudo, todos esses pecadores, quando arrependidos, foram perdoados pelo Deus da Graça.

Assim, acredito que o dominio próprio, em sentido pleno, dificilmente será atingido. Contudo, os que se submeterem às provas com intenção pura, ainda que pequem, serão perdoados. Ao final, alcançarão a paz que só pode ser alcançada mediante a humilhação perante o Deus da Graça. Então, o espírito reinará absoluto sobre a carne, tornando-a sua serva.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Confesso que te amo

Certa vez ouvi um pastor dizendo: abrace o irmão ao lado - homem com homem, mulher com mulher, para não criar constrangimento -. Diga "eu te amo". Pareceu-me que a precaução que ele tomou era indício de que as pessoas estavam se aproveitando da ocasião com segundas intenções.

Uma ex-aluna disse-me, certa vez, em voz alta, dentro da sala de aula: "eu te adoro". Mas fiquei sabendo que, quando ela dizia isso, estava aberta à união carnal com o professor em algum momento posterior. Eu não respondi.

Houve um caso em que eu pude dizer para uma mulher casada, a quem eu havia namorado na minha juventude, "confesso que te amo", sem que houvesse conotação carnal na afirmação. Eu deveria ter dito, "confesso que te amo segundo 1 Coríntios 13". Ao dizer apenas "confesso que te amo", qualquer um estaria autorizado a pensar que eu estava tentando uma aproximação carnal com ela.

Confesso que não consigo dizer a qualquer próximo "eu te amo". E acho que é melhor agir como quem ama do que ficar expressando amor verbalmente. Falar é fácil, e gera hipocrisia. E o mundo vive da hipocrisia, com honrosas exceções. Porém, Deus amou o mundo, e enviou-lhe o Cristo, na forma humana de Jesus, para resgatar as ovelhas perdidas que Lhe foram confiadas.

Ultimamente a experiência do amor a Deus invadiu a minha alma, destruindo todas as resistências até então instaladas. Só então decidi que poderia falar sobre Ele. Antes Ele era pura hipótese. Agora Ele é real para mim, embora continue sendo um mistério insondável. Ele me ama. E eu posso dizer "confesso que te amo, Senhor meu Deus".

O amor que me invadiu a mente e o coração é aquele descrito em 1 Coríntios 13. Por isso, já posso dizer, sem medo: "Confesso que te amo". Mas, tomo o cuidado de não fazer essa afirmação a qualquer um, pois não é razoável jogar pérolas aos porcos.

sábado, 2 de julho de 2011

Perdão, Senhor

Quando me diziam que me amavas, e que por mim morrestes, eu pensava: - O que eu tenho a ver com isso? Não lhe pedi nenhum sacrifício. E havia lógica no que eu sentia, pois tu me eras mal apresentado e, de fato, eu não te conhecia.

Eu não sabia o que era o teu amor. Pensava que poderia substituir-te por qualquer amor. Mas, confesso-te que eu estava errado. Quanto a isso, eu perdi.

Hoje eu te imploro: - Perdoa-me, Senhor! Pois, eu não me perdoei ainda. Vivi momentos de grande angústia e lágrimas pensando em ti no meu aposento secreto. Só agora vejo que, vivendo com outro amor, perdi a felicidade que poderia ter gozado junto a ti.

Eu perdi anos de tua presença, embora agora eu saiba que tu sempre estivestes silenciosamente ao meu lado. Perdoa-me, por que eu não sabia o que fazia. Hoje sei quem tu és. Quão grandioso és tu!

Teu amor não é fruto de mito. É fato. E só agora posso ver-te em plena luz, pois tu brilhas mais quanto mais escuro se torna o mundo. Eu quero o teu perdão. Imploro pelo teu perdão. Não posso viver sem o teu perdão!

terça-feira, 28 de junho de 2011

O amor fraterno é para sempre

Em todo o tempo ama o amigo e para a hora da angústia nasce o irmão. Provérbios 17:17

Meu irmão era amado por muitos. Contudo, ele foi assassinado por um fanático da política do interior, em 1976, após seu partido ter vencido a eleição.

Recentemente descobri que uma senhora o amava tanto que mudou do local. Ela o considerava como a um filho. A filha dessa senhora, que me contou a história de sua mãe, estava chorando. Ela disse que também amava, e ama, a família do meu irmão.

Meu pai tinha muitos amigos que o amavam. Ele sempre agiu como pacificador, embora fosse muito corajoso. Os amigos que ele reencontrou na velhice deram-lhe o apoio que dariam a um irmão querido.

Eu também tenho amigos que já fizeram mais por mim do que alguns dos meus irmãos fariam. E pude fazer para alguns deles o que os seus próprios irmãos não fizeram, mesmo podendo.

Sou obrigado a concluir, de acordo com a minha experiência, que o amor fraternal é mais importante do que a paixão. Mesmo entre casais, a paixão passa. Mas o casamento pode continuar sem transtornos se o amor fraternal se instala.

Amo minha mulher nos dois sentidos: carnal e espiritual. Mas vejo que só o amor espiritual pode nos unir realmente. Mas esse mesmo amor, sem nenhuma necessidade de contra-partida, tenho-o por alguns poucos amigos e amigas.

O amor de Cristo é do tipo fraternal. Ele acolhe sem restrições. Ele não é compatível com nenhum tipo de barganha. Nem mesmo dízimos, ofertas e sacrifícios.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Em síntese

Em síntese, na minha opinião, o cristianismo pode ser explicado da maneira a seguir.

1. O homem, ao usar sua razão, choca-se com o fato de existir. Ele é um milagre! Sua razão força-o a buscar saber de onde veio, o que deve fazer na Terra, e para onde vai.

2. Esse choque manifesta-se especialmente em duas ocasiões: quando sofre e não sabe explicar os motivos do seu sofrimento, ou quando, usando sua mente inquiridora, fica ciente de sua fragilidade e, ao mesmo tempo, capacidade de compreender.

3. A existência de um fundamento último da vida impõe-se pela intuição combinada com vivências e experiências planejadas, ou, em alguns casos, por meio de experiências culminantes.

4. O povo judeu, com sua experiência documentada na Bíblia, além de sua existência atual para testemunhar sua história, aparece como garantia de que o cristianismo tem fundamento histórico.

5. Jesus Cristo, em dado momento, impõe-se ao homem reflexivo como modelo a seguir. Ele anunciou a Boa Nova, ou Evangelho, que liberta a tantos quantos têm a alegria de conhecê-lo.

6. Sendo escolhido, ou escolhendo o Evangelho para conduzir sua vida, o homem, embora submetido a todo tipo de sofrimento, torna-se imune, pois, pela fé, fortalece sua confiança na sua origem, responsabilidade na Terra e destino final.

7. Sua meta, aqui, é aprender a arte de amar, apesar de todas as barreiras, principalmene a do seu ego, que pretende viver por si e para si, sem considerar nada além de si.

8. Embora o homem possa ser treinado mecanicamente na tradição cristã, ele pode, a qualquer momento, adquirir plena consciência sobre a verdade e, assim, agir livremente. Ele se realiza em Cristo assumindo-se mero peregrino neste mundo.

9. Consciente de sua identidade verdadeira, o homem pode viver seguro em meio à insegurança típica da vida na Terra. Ele pode dominar sua condição material, tornando-se senhor da matéria e artífice de suas condições de vida. Para isso ele precisa tornar-se escravo da verdade.

10. Entregando-se a Cristo, e tomando-o como referência, o homem pode, finalmente, realizar o potencial de Cristo que está em si. Essa autorrealização implica reconhecer o próximo como irmão, ao qual deverá prestar serviços como se fosse para si mesmo, em nome de Deus, o Pai de todos.

E assim se completa o conhecimento básico mínimo para que cada homem assuma sua liberdade com responsabilidade. Tudo o mais é secundário, embora ainda útil. Por exemplo, unir-se a determinado grupo para realizar sua missão e sua visão de futuro, mediante os valores inerentes ao Evangelho do amor, anunciado por Cristo.

Por analogia com a ilustração da circuncisão física com a circuncisão do coração, comunidade cristã não é aquela que, formalmente, adere ao Evangelho, mas aquela que o pratica de fato. Ela pode estar em qualquer lugar, mesmo que seus membros tenham pontos de vista filosóficos, políticos e relgiosos diferentes quanto aos aspectos secundários.

Em síntese, tudo se resume no amor, que se adquire pela prática. Para tal, é preciso aceitar, pela fé, o que não pode ser visto. Assim, o caminhante pode prosseguir com esperança, vivendo, desde já, como se estivesse na sua pátria verdadeira: o Céu.

sábado, 25 de junho de 2011

Vida ganha, vida perdida

Porque qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas, qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará. Marcos 8:35

Meu amigo teve infância pobre. Passou fome. Trabalhou e superou tudo. Ao final, ficou rico. Ganhou milhões e milhões, mas agora ele está correndo grande risco.

Meu amigo encontrou-se casualmente com o homem mais rico do município onde viveu sua infância de pobreza. O homem estava contando que ganhara a sua vida. Aos 80 anos, sentia-se bem sucedido por ter tido uma vida de muito dinheiro.

O homem com o qual meu amigo se encontrou morreu. Meu amigo esteve no cemitério e viu que, se considerada esta vida, o homem venceu enquanto a teve, mas já não existia mais.

Então, meu amigo teve a oportunidade de pensar: - Será que ele ganhou a vida eterna? Será que eu estou lutando apenas por esta vida? Será que eu ainda tenho tempo de fazer bons investimentos no Céu?

Meu amigo ainda está pensando. Não sei o que ele decidiu. Mas acho que ele, com certeza, não quer apenas ser rico nesta vida. Ele tem visão de futuro. Um dia desses ele ainda vai me contar a sua história.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Jesus chorou

João 11:35

Percebi, desde tenra infância, que é muito fácil ser escravo da emoção. Eu via como os mais fortes humilhavam os mais fracos, sob diversos aspectos. Vi que amores não correspondidos podiam gerar tragédias.

Eu decidi vencer a emoção. Sem saber, eu assumi a filosofia de vida dos estóicos. Investi tempo em conhecer as coisas que poderiam tornar-me livre, seja financeiramente, seja emocionalmente.

De certa forma, consegui. Quando chegou a hora de amar pela primeira vez, dediquei-me com entusiasmo ao meu nomoro. Eu morava longe, mas viajava com a maior frequência possível para ver minha amada. No intervalo eu lhe enviava muitas cartas apaixonadas. Quando vi que minha amada não tinha a maturidade necessária para receber o meu grande amor por ela, sofri com antecedência. Quando chegou a hora de romper, eu estava tranquilo. Sofri, mas não chorei.

Contudo, eu também tive os meus momentos de choro. Chorei numa igreja, no final de 1999, alguns meses após a morte de minha mãe. Os hinos que ela cantava na minha infância mantiveram-me em estado de hibernação espiritual até aquele dia. Chorei novamente muitos anos depois de ter perdido meu primeiro amor. Chorei quando ela me contou o quanto chorou ao descobrir que me perdera por não ter compreendido o quanto eu a amava.

Se Jesus chorou, qualquer um pode chorar. Eu chorei. E pretendo chorar mais. Chorar pode ser um bom remédio auxiliar, até mesmo para quem, como eu, aprendeu a controlar suas emoções.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O amor ainda é o melhor investimento

Eu estava desiludido. Investira tudo no amor, mas o objeto do meu amor fez outro investimento, tirando-me do seu coração sem aviso prévio.

Ao invés de mudar o foco do meu investimento, pedi a Deus que me enviasse a mulher certa. Não queria que ela fosse excessivamente bonita, nem rica, nem muito intelectualizada. Eu precisava de uma pessoa normal, porém sedenta do meu amor.

E Deus me enviou a Márcia. Pude, pela primeira vez, amar e sentir-me amado. Ela tinha foco total em mim. E eu tinha foco total nela. Tivemos um filho e uma filha maravilhosos. Espero que tenhamos dado bons exemplos para ambos.

Num certo momento, minha paixão pela Márcia pareceu apagar. Então, lembrei-me de que já fora vítima de um amor não correspondido. Investi nela, cumprindo os compromissos assumidos na igreja. Com a firme decisão de amá-la, tudo mudou.

Quanto mais avançamos em idade, mais nos amamos. Estamos namorando novamente. Tudo está muito melhor do que jamais foi. Eu a amo cada vez mais. Cada vez mais ela demonstra que me ama. O investimento feito está dando alto retorno em felicidade.

Não digo que o meu primeiro amor tenha errado ao redirecionar o seu investimento. Eu estava apaixonado, mas não fazia qualquer esforço para entrar na competição pelo seu amor. Ela era muito cortejada, e, talvez, gostasse da experiência de ter muitos olhares sobre si. Em última análise, ela não me amava. Eu a perdoo.

Ao mesmo tempo, aconselho-a a restaurar sua confiança no amor. Seu marido deve ser seu único foco. Sugiro-lhe que, se julgar que precisa de ajuda, leia o livro A Arte de Amar, de Erich Fromm. O autor defende que o amor exige treino, e eu concordo com ele.

Se o amor entre casais é tão importante, e pode dar tão alto retorno, como ocorreu comigo, imaginem o retorno do amor a Deus. Este é, em última instância, o mais importante e definitivo investimento de pessoas ajuizadas.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A fé do engenheiro

A fé, nesta reflexão, é entendida, inicialmente, em seu sentido genérico de "acreditar naquilo que não se vê". Ela é uma condição para toda busca, em todos os campos de atividades. Contudo, indo além dessa visão de uma fé natural, acredito que a fé em Deus é a mais alta fonte de autoconfiança que o homem pode ter.

Engenheiro, no sentido aqui adotado, é todo ser humano orientado para a obtenção dos resultados possíveis, tendo em vista as restrições inerentes à situação. Ele respeita as leis da natureza, mas pode agir, em termos práticos, sem conhecê-las. Neste caso, ele se orienta por experimentos. Na perspectiva desta reflexão, não há sequer necessidade de escolaridade formal para se pensar e agir como engenheiro.

A fé do engenheiro é tal que o seu possuidor não precisa esperar ter conhecimento absoluto para agir. Ele nem precisa discutir se existe ou não o conhecimento absoluto. Bastam-lhe os conceitos operacionais necessários e, mesmo eles, podem ser obtidos da prática orientada pela razão experimental. Na sua vida prática, o engenheiro não busca mais milagres do que pode obter usando sua inteligência para manipular os recursos que estão à sua disposição.

O engenheiro poderia ser chamdo de filósofo, se o termo filósofo ainda se referisse à pessoa amiga do conhecimento e da sabedoria. Mas o termo está desgastado, pois foi associado ao pedante que diz ser capaz de conhecer tudo somente pelo pensamento, sem alinhamento experimental com a realidade. O engenheiro poderia, ainda, ser um cientista, mas, igualmente, o termo cientista sofreu distorções. Ele hoje se refere a alguém que se especializou num campo restrito do conhecimento. Eventualmente o cientista, no mau uso de sua autoridade, é capaz de fazer afirmações charlatãs sobre aquilo que não conhece. Sobre Deus, por exemplo.

Alguns filósofos e cientistas afirmam que é possível aproximar-se progressivamente da "coisa-em-si" usando sua inteligência, vontade e ativa capacidade de experimentação. Nisso, comportam-se como engenheiros. Porém, o engenheiro não pode condicionar a sua ação ao conhecimento absoluto da "coisa-em-si". Ele é obrigado a partir do conhecimento parcial, desde que este lhe indique o caminho para a obtenção dos resultados de que necessita.

No extremo, filósofos e cientistras são místicos ou lógicos. Mas, se movidos pela visão do engenheiro, combinam mística e lógica, assim como indução e dedução, imaginação e ação, enfim, teoria e prática. Quanto a isso, os crentes e os ateus usam o mesmo método; e ambos precisam ter fé.

O homem de fé acredita naquilo que não vê. E, acreditando, busca. E, existindo o que busca, encontra. Mas, ele só saberá se existe ou não o que busca se for persistente e agir com paciência e fé. Cada um, portanto, só encontra aquilo que busca; mas, eventualmente pode tropeçar em "descobertas casuais felizes" se estiver bem atento.

Pergunta-se: Uma "coisa-em-si" inteligente, pode buscar o homem, ao invés de esperar ser buscada por ele?

Nisto se contradizem o espiritualista e o materialista. O primeiro acredita, se for Cristão, que a "coisa-em-si", como Realidade Suprema, ou Deus, só pode ser conhecida se Ela revelar-se ao homem. O segundo acredita que a "coisa-em-si" não é inteligente e ativa e que, portanto, não pode tomar a iniciativa de revelar-se ao homem. Em comum, os dois aceitam a intuição, mas a atribuem a fontes diferentes.

O engenheiro pragmático diz: - Toda essa discussão é-me indiferente. Busco; mas, se for buscado e encontrado, rendo-me à verdade. Analiso, mas aceito a intuição que me ocorre enquanto analiso, desde que confirmada por experimentos posteriores. Sou sujeito e objeto. Ajo e interajo. Sou prático, embora tenha em conta que a melhor prática vem da boa teoria.

O engenheiro crente diz: - Sou servo. Estou nas mãos de Deus, que é a Realidade Suprema. Se O busco é porque fui buscado por Ele. Nada vem de mim, mas o que em mim age vem de Deus.

O engenheiro ateu diz: - Tudo de que preciso para descobrir ou inventar está em mim. Não estou interessado na tal Realidade Suprema. Acho até que ela não existe. Mas, por via das dúvidas, não posso afirmar nada definitivo a esse respeito. Trabalho dentro das restrições que me são impostas pelas leis da natureza.

Ressalto, novamente, que me refiro ao engenheiro quanto à forma de pensar e agir. Ele pode ser qualquer ser humano que lida com a realidade de forma operacional, integrando teoria e prática, mas priorizando a prática na hora de obter os resultados de que necessita. Não há sequer necessidade de escolaridade formal para pensar como um engenheiro, mas o bom engenheiro é, sobretudo, um grande estudioso e pesquisador.

A fé, de muitas maneiras, remove montanhas. O engenheiro remove a montanha com máquinas. Embora a fé, em suas manifestações extremas, possa produzir milagres, Deus permitiu que a medicina, a engenharia, entre outras artes e ciências, tornassem real e produtiva a fé do homem engenhoso. Isso sob a perspectiva material e cultural; mas com inevitável apelo à transcendência.

Portanto, meu amigo, tenha fé. Mas não espere que Deus premie a sua preguiça de estudar e de trabalhar. Tenha fé, mas vá à luta. Não fique por ai esperando o milagre da imortalidade nesta vida. Lázaro foi ressuscitado, mas, com certeza, morreu de novo. Se ficar doente, procure um médico. Contudo, ore/reze para que Deus, se quiser, o cure diretamente ou inspire o médico para lhe dar o tratamento correto.

A fé do engenheiro a que me referi neste texto é a fé do homem trabalhador, estudioso e, ao mesmo tempo, conformado com a inevitabilidade do sofrimento e da morte. Considero-a a melhor fé, pois começa a trabalhar antes que a razão possa dar explicações, e penetra por regiões aonde a razão não pode ir sozinha.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Um exemplo de consenso obtido em conversas informais

Minha amiga classificou-se, informalmente, como "batisteriana". Ela tem pais presbiterianos e casou-se com um batista. Frequenta as duas denominações indistintamente e não se sente constrangida. Seu argumento central: - naquilo em que as duas denominações divergem, não se pode dizer que saibam do que estão falando. Então, concentro-me na doutrina do amor, cuja fonte é Cristo. Quanto ao mais, ignoro.

Meu amigo presbiteriano começou a falar de uma difícil doutrina comigo. Quando o questionei se sabia, realmente, do que estava falando, ele confessou logo: - rigorosamente, não sei do que estou falando. A esse respeito, pessoas inteligentes, formadas nas melhores escolas de teologia, têm assumido posições opostas. Para falar a verdade, eu fico mesmo é com a doutrina de Cristo, sintetizada no amor.

Conversando com um amigo católico, percebi que ele repetia argumentos sem saber defendê-los. No final da conversa, ele também disse que, rigorosamente, não estava em condições de defender as doutrinas que subscrevia em confiança. Afirmou, ainda, que a Igreja Católica está dividida, e que até mesmo os leigos, com a intenção de defender a ortodoxia, estão julgando os papas. Ele concordou, como a amiga "batisteriana" e o amigo presbiteriano, que a dúvida sobre aspectos doutrinários desaparece diante das práticas de vida inspiradas no amor.

Fiquei alegre com os meus amigos. Eles reconheceram sua ignorância, e colocaram suas esperanças no amor. Eu, reconhecendo-me como o maior de todos os ignorantes, pensei comigo mesmo: - há esperança quando, ao invés de fingir conhecer o que não se conhece, busca-se refúgio na doutrina central de Cristo. Deus só é acessível pelo amor, este gerado pela fé, e ambos gerando esperança. Esse trio em ação, embora não dispense a lei, supera-a com vantagem.

O caminho do consenso, conforme percebi, só pode ser trilhado por pessoas que, cultivando a humildade, são capazes de reconhecer a própria ignorância. Quanto a isso, ajuda muito ter uma boa noção sobre as principais teorias do conhecimento para saber até onde vai a arrogância de alguns interlocutores. O tom doutoral de alguns deles indica quando se deve desistir do diálogo que poderia deixá-los nus diante do público a quem tentam vender sua "sabedoria".

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Como ter acesso a Deus?

O coração e a mente do homem clamam por Deus, pois a felicidade perene está nEle. E esse Deus, como sabem os que O conhecem, é acessível a todo aquele que O busca verdadeira e persistentemente.

Qual o caminho indicado pelos Evangelhos para encontrar Deus? - É a fé, que se transforma em amor, os dois gerando esperança. Assim, o homem deve agir como se já tivesse encontrado Deus, colocando em prática Seus Mandamentos.

Enquanto age como se, o homem deve implorar, bater à porta, e confiar que o Pai Celestial não dará uma serpente a quem lhe pede um peixe, nem uma pedra a quem lhe pede pão. Isso é uma promessa de Cristo, e ela é evidente por si mesma, pois até mesmo o maior dos pecadores humanos tem alguma sensibilidade para com os seus filhos.

As seguintes ações, entre muitas outras, apresentadas na forma de um "brainstorm", são indicadas para que o acesso a Deus se torne uma realidade no dia-a-dia. Elas podem ser encontradas na Bíblia e nos escritos dos homens que tiveram experiências culminantes com Deus. Ei-las:

Cantar hinos inspiradores
Retirar-se para locais silenciosos
Orar silenciosa e permanentemente o Pai Nosso
Fixar a mente inquieta no ambiente celestial descrito na Bíblia
Analisar, como espectador, os pensamentos que se infiltram na mente
Imaginar que a vida na Terra ocorre como se fosse um filme
Buscar a companhia de pessoas boas
Mergulhar no fundo da alma para conhecê-la
Pregar o Evangelho de Cristo com o exemplo
Pesquisar a melhor maneira de falar sobre Deus com as pessoas descrentes
Manter o corpo sadio para que a mente se torne sadia
Manter sob controle os impulsos do orgnanismo
Aprender a distinguir uma necessidade de um desejo
Ler bons livros e tentar praticar suas recomendações
Fazer um trabalho bem feito
Acionar a vontade e a inteligência como recursos divinos

Buscando-O por meio das ações acima, com o tempo Deus deixa de ser uma ideia e torna-se uma realidade acima de qualquer dúvida.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A religião verdadeira

O Deus que tem sido pregado por lobos e charlatães é fruto da ilusão. Veja, por exemplo, estas figuras programadas para ilustrar a ilusão de ótica. Não lhe parece que este é o Deus que, por analogia, tem sido pregado com grande estardalhaço?

Quem prega um Deus tão confuso, e passivel de tantas interpretações, com certeza nunca O conheceu. Apenas leu sobre Ele. Sua religião, portanto, é também fruto da ilusão.

A religião verdadeira é simples, clara e concisa. Seus sacerdotes não são conhecidos pela capacidade de persuasão do ouvinte por meio de palavras bem articuladas. Eles são o exemplo vivo de que estão em contato com o Deus no qual afirmam ter fé.

A religião verdadeira consiste em colocar em prática a fé e o amor, gerando as obras equivalentes em benefício do próximo.

sábado, 19 de março de 2011

A excelência aos olhos de Deus

Algumas coisas Deus fez na sua versão final e definitiva, e estas são naturalmente excelentes. Outras Ele fez com um potencial a ser realizado no tempo. O homem, por exemplo, Ele o fez racional, e permitiu que decaísse de sua excelência original, porém mantendo-o passível de realizar seu potencial humano por meio dos recursos que fazem parte de sua constituição, e seu potencial divino por meio da intermediação de Cristo.

Para Deus, o modelo de excelência está em Cristo, e todo homem, em Cristo, é excelente. Mas a prova de que o homem está em Cristo não são obras ou rituais externos, mas os frutos da fé, do amor e da esperança. Deus olha, primeiro, o interior do homem, e nenhuma obra que não seja a expressão externa de sua excelência interna tem valor para Ele. Quanto a isso, Ele prefere o indouto, o humilde e o pobre desde que eles tenham o coração puro.

Por outro lado, tudo o que, para o homem, é excelente, pode ser abominação aos olhos de Deus. O homem julga-se excelente quando tem poder, recebe glória por seus atos, e julga ter conhecimento obtido com a aplicação de sua inteligência. Com base nesses referenciais, o homem coloca-se como juíz do seu próximo. Mas, para sua decepção, Deus prefere aqueles a quem ele julga inferiores.

Sendo o homem, por natureza, egoísta, ele precisa ser confrontado com o fato de que nada do que faz para si tem valor perante Deus. Nem aquilo que ele faz para os outros com a finalidade de receber admiração. O homem precisa cuidar-se, com certeza, mas não pode esquecer jamais de cuidar do seu semelhante como se o fizesse para si mesmo, sem segundas intenções.

Além de usar todas as faculdades que o Criador lhe deu, o homem, além de creditar tudo ao poder de Deus, deve bater à porta e implorar por aquilo que Ele mesmo julga ser a fonte da excelência: um coração puro.

Excelência, para Deus, é o amor e a fé que se transformam em serviço visando a socorrer o próximo que necessita de ajuda.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Educação no Evangelho da Sabedoria

Um desafio

"Porque eu vos darei boca e sabedoria a que não poderão resistir nem contradizer todos quantos se vos opuserem. Lucas 21:15"

O versículo acima deixa claro que a sabedoria que vem de Deus não pode ser ensinada pelo homem. Há quem acredite que nem mesmo a sabedoria humana possa ser ensinada. Porém, toda educação que ultrapasse o mero treinamento deve visar à sabedoria. (A sabedoria é a coisa principal; adquire pois a sabedoria, emprega tudo o que possuis na aquisição de entendimento. Provérbios 4:7)

Se Deus agisse sempre a partir do interior do homem para firmar o seu caráter, a educação seria desnecessária. Todos nasceriam amando-O e ao próximo como a si mesmos. Todos já nasceriam convertidos. A pregação do Evangelho não seria necessária.

Entretanto, Deus escolheu que o homem fosse formado pela educação dos seus semelhantes. Isso, talvez, para permitir o serviço mútuo e, com ele, a aprendizagem da arte de amar. Aliás, quando Cristo pediu que Pedro apascentasse suas ovelhas, estava implícito a ideia de educação para a sabedoria. ("(...). Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas. João 21:17")

A educação cristã, conforme penso, consiste em submeter cada pessoa àquelas condições necessárias para que ela nasça, cresça e se desenvolva no ambiente do Evangelho. Preparado o terreno, semeada a boa semente, e dispensados os cuidados necessários, algum eventual joio que se misture com o trigo poderá ser extirpado na hora da colheita.

Nesse ambiente, devem-se satisfazer as necessidades básicas - fisiológicas, de segurança, sociais, de (auto)estima e de autorrealização - que garantam as condições de existência sadia. Sendo necessárias, a não satisfação dessas necessidades poderá gerar o ser humano doente por deficiência de ser e, com isso, sofredor e gerador de sofrimento. Mas isso não é o bastante.

Simultaneamente, a educação deve tentar transmitir bons hábitos, virtudes e um senso crítico para a descoberta da verdade e a detecção da falsidade e do erro. Isso implica tornar a pessoa apta a usar o conhecimento reflexivo para gerar conhecimento produtivo, e não apenas tornar-se especialista num ou noutro tipo desses conhecimentos.

Porém, a meta final da educação cristã deve ser a sabedoria que vem de Deus. E isso sequer depende de escolaridade formal. Por isso, enquanto fazemos o trabalho duro que depende de nós, é preciso, simultaneamente, bater à porta e pedir insistentemente que Deus nos dê a sabedoria que Ele deseja que tenhamos.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A predestinação

Reflexão a partir das lições 21 - A Predestinação -, e 22 - Predestinação e Reprovação -, do livro de R. C. Sproul "Verdades Essenciais da Fé Cristã", Segundo Caderno, Editora Cultura Cristã, 2006.


RESUMO
A consulta aos textos bíblicos e estudos sobre predestinação levaram-me à seguinte conclusão: o tema não deve ser abordado diante do público em geral. Para o grande público é mais urgente reforçar a doutrina-raíz do Evangelho de Cristo, segundo a síntese feita por Ele mesmo, e/ou as mensagens que a reforçam, por serem portadoras de esperança aos que sofrem e aos que têm um coração amoroso e limpo. Já os estudiosos, que eles pensem mil vezes antes de reivindicar domínio sobre o assunto, pois, ao fazê-lo, poderão estar demonstrando querer ultrapassar a sabedoria do próprio Deus. Os teólogos clássicos, pelo menos, chegaram a um consenso: o assunto não deve ser apresentado a todos, de forma indiscriminada, pois isso, além de não trazer benefícios, pode trazer grandes malefícios.


1. INTRODUÇÃO
Afirma Sproul, na página 55 do livro acima citado, relativamente à Lição 1 - A Predestinação -:

"Praticamente, todas as igrejas cristãs têm algum tipo de doutrina sobre a predestinação. (...). Muitas igrejas, entretanto, discordam - muitas vezes veementemente - quanto ao seu significado. O ponto de vista metodista é diferente do ponto de vista luterano, o qual discorda do ponto de vista presbiteriano. Embora seus pontos de vista difiram, cada um deles está tentando chegar a uma sólida compreensão desta difícil questão de maneira apropriada."

"(...): desde toda a eternidade, antes mesmo que nós existíssemos, Deus decidiu salvar alguns membros da raça humana e permitir que o resto da raça humana perecesse. Deus fez uma escolha - escolheu alguns indivíduos para serem salvos na eterna bênção do céu e escolheu passar por sobre os outros, permitindo que sofressem as consequências dos seus pecados no tormento eterno do inferno.

A aceitação dessa definição é comum a muitas igrejas. (...). O ponto de vista não-reformado, defendido pela grande maioria dos cristãos, é que Deus faz essa escolha com base em sua presciência. Deus escolhe para a vida eterna aqueles que sabe que o escolherão. (...).

A visão reformada difere no fato de que ela vê a decisão final para a salvação nas mãos de Deus, e não nas mãos do homem. Segundo este ponto de vista, a eleição de Deus é soberana. Não se baseia nas decisões ou respostas previstas por parte dos seres humanos. Aliás, vê tais decisões fluindo da graça soberana de Deus."

Na Lição 2 - Predestinação e Reprovação -, página 58, Sproul continua afirmando: (...). "A eleição refere-se apenas a um aspecto da questão mais ampla da predestinação. O outro lado da moeda é a reprovação. Deus declarou que amava Jacó mas odiava Esaú. Como podemos entender essa referência ao ódio divino?

A predestinação é dupla. A única maneira de evitar a doutrina da predestinação dupla é afirmar que Deus predestina todos para a eleição ou que não predestina ninguém seja para a eleição seja para a reprovação. Visto que a Bíblia ensina claramente a predestinação para a eleição e nega a salvação universal, temos de concluir que a predestinação é dupla: inclui tanto a eleição como reprovação. A dupla predestinação é inevitável se tomarmos a Bíblia a sério. [grifo meu]"

Após tecer considerações lógicas decorrentes dos desdobramentos da predestinação dupla, Sproul termina suas considerações na página 59, de forma sugestiva:

"(...). Vamos deixar que o leitor decida."


2. PASSAGENS BÍBLICAS A RESPEITO DO TEMA
Não há dúvida de que a Bíblia afirma a dupla predestinação. Os textos citados por Sproul, embora não exaustivos, foram selecionados por serem inquestionáveis a esse respeito.

Na Lição 21, Sproul recomenda as seguintes passagens bíblicas:
Probérbios 16.4; João 13.18; Romanos 8.30; Efésios 1.3-14; 2 Tessalonicenses 2.13-15. Ao longo do seu texto ele ainda cita: Romanos 9.10-12,16 e Romanos 9.14,15.

Na Lição 22, as seguintes passagens sãos recomendadas:
Êxodo 7.1-5, Provérbios 16.4; Romanos 9; Efésios 1.3-6; Judas 1.4.

Porém, como sabemos, há passagens que se concentram somente no lado positivo da predestinação, dando esperança a todos que se sentem atraídos pelo Evangelho de Cristo. Esses textos não serão destacados nesta reflexão para que o foco sobre o assunto seja mantido na sua dimensão mais difícil.


3. EXEMPLOS DE ESTUDOS A RESPEITO DO TEMA

3.1 - Visão Católica
Veja aqui.

3.2 - Visão Reformada Calvinista
Veja aqui.


4. POSIÇÕES DE GRANDES TEÓLOGOS

4.1 - Agostinho de Hipona
Veja aqui.

4.2 - Tomás de Aquino
Veja aqui.

4.3 - Martinho Lutero
Veja aqui.

4.4 - João Calvino
Veja aqui.


5. COMENTÁRIOS E CONCLUSÃO GERAL
Voltemos ao que Sproul afirmou na página 55, relativa à Lição 1 - A Predestinação -, que foi destacado na introdução desta reflexão:

"Praticamente, todas as igrejas cristãs têm algum tipo de doutrina sobre a predestinação. (...). Muitas igrejas, entretanto, discordam - muitas vezes veementemente - quanto ao seu significado. O ponto de vista metodista é diferente do ponto de vista luterano, o qual discorda do ponto de vista presbiteriano. Embora seus pontos de vista difiram, cada um deles está tentando chegar a uma sólida compreensão desta difícil questão de maneira apropriada."

Ressaltemos algumas opiniões sobre como lidar com o assunto, estas tiradas das referências citadas no item 4:

Agostinho de Hipona
Não identifiquei uma posição simples e concisa, exceto, talvez, sua posição implícita de que Deus faz a eleição pela presciência da escolha humana, seja para a salvação, seja para a perdição. Esse posicionamento precisa ser confirmado.

Tomás de Aquino
"(...) deve-se dizer que ainda que a própria predestinação seja revelada a alguns por um privilégio especial, entretanto, não convém seja revelada a todos; pois neste caso os não-predestinados cairiam no desespero e a segurança de ser predestinado geraria negligência." Entenda-se que, quando ele se refere a predestinados, está se referindo à eleição para a vida eterna.

Lutero
Ele deu o seguite conselho a uma pessoa que estava muito ansiosa quanto ao fato de ser eleita ou réproba:

“Quando tais pensamentos a assaltam, você deve aprender a perguntar a si mesma: “Por favor, em que mandamento está escrito que eu deva pensar sobre esse assunto e lidar com ele?”. Quando parecer que não há tal mandamento, aprenda a dizer: “Saia daqui, maldito diabo! Você está tentando fazer com que eu me preocupe comigo mesma. Meu Deus declara em todos os lugares que eu devo deixá-lo tomar conta de mim [...]”. A mais sublime de todas as ordens de Deus é esta, que mantenhamos diante de nossos olhos a imagem de seu Filho querido, nosso Senhor Jesus Cristo. Todos os dias ele deve ser nosso excelente espelho, no qual contemplamos o quanto Deus nos ama e quão bem, em sua infinita bondade, ele cuidou de nós ao dar seu Filho amado por nós. Desse modo, eu digo, e de nenhum outro, um homem aprende a lidar adequadamente com a questão da predestinação. Será evidente que você crê em Cristo. Se você crê, então será chamada. E, se é chamada, então muito certamente está predestinada. Não deixe que esse espelho e trono de graça seja quebrado diante de seus olhos [...] Contemple o Cristo dado por nós. Então, se Deus desejar, você se sentirá melhor”.


Calvino
"Em primeiro lugar, então, quando os homens quiserem fazer pesquisa sobre a predestinação, é preciso que se lembrem de entrar no santuário da sabedoria divina. Nesta questão, se a pessoa estiver cheia de si e se intrometer com excessiva autoconfiança e ousadia, jamais irá satisfazer a sua curiosidade. Entrará num labirinto da qual nunca achará saída. Porque não é certo que as coisas que Deus quis manter ocultas e das quais ele não concede pleno conhecimento sejam esquadrinhadas dessa forma pelos homens. Também não é certo sujeitar a sabedoria de Deus ao critério humano e pretender que este penetre a sua infinidade eterna. Pois ele quer que a sua altíssima sabedoria seja mais adorada que compreendida (a fim de que seja admirada pelo que é). (...)."

Meus comentários
Eu não poderia esquecer das palavras de Cristo em Mateus 11:25: "respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos." Neste caso, parece que os pequeninos a que Ele se refere, a menos que sejam estimulados, nem fazem perguntas sobre o assunto, pois estão totalmente concentrados na prática efetiva do Evangelho.

Tendo em vista tudo o que foi dito até o momento, desisto da intenção de emitir opinião técnica sobre o assunto, embora eu tenha ensaiado uma resposta elegante para o mesmo com base na filosofia aristotélica. Evoco, para proteger-me, a doutrina expressa por Jesus Cristo em Marcos 12:30-31:

"Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes."

Aceita esta doutrina, devemos praticá-la, pois isso será bom para nós e bom exemplo para os demais. Não podemos ter a pretensão de, citando a predestinação, assustar os réprobos, pois eles já estão condenados, e, além do mais, nós não sabemos quais são eles. Por outro lado, de nada adianta ressaltar esta doutrina para alegrar os eleitos, pois, igualmente, eles já são eleitos, mas nós não podemos ter a pretensão de saber quantos e quais são eles.

Resta-nos, portanto, a alternativa de aceitar que o tema é bíblico, e que não deve ser rejeitado; mas que, também, não deve ser ressaltado para o público em geral, pois entre os seus componentes podem existir pessoas fracas na fé, e outras tantas com dificuldades de compreensão de um tema tão difícil.

Se, numa dada assembléia, o tema tiver que ser pregado, o bom senso diz que é preciso assumir que todos que estão na assembleia são, provavelmente, eleitos, mas que ninguém se orgulhe disse, pois o nome dos eleitos e róprobos é de conhecimento exclusivo de Deus. Que todos se esforcem, pois, para agir segundo a vontade dEle e que, pela fé e pelo amor, se empenhem a executar as obras que procedem da fé e do amor, gerando esperança para todos que se sentem chamados.

Tenhamos em mente Deuteronômio 29:29:

As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei.

Se você quiser a opinião de um calvinista presbiteriano, altamente qualificado, sobre como compreender o paradoxo da soberania de Deus frente à responsabilidade humana, leia o texto Eu Não Sei.


6. BIBLIOGRAFIA
Indicada ao longo da reflexão.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O humanismo cristocêntrico

O indivíduo, ao olhar apenas para si mesmo, vive a ilusão egocêntrica.

Avançando ao extremo do imanentismo, ele se anula e passa a enxergar a unidade na Humanidade, assumindo uma filosofia de vida antropocêntrica.

Entretanto, ao descobrir a verdade sobre si mesmo, o indivíduo passa a viver um humanismo cristocêntrico, este apresentando os seguintes aspectos principais:

1. pode-se atingir a mais alta liberdade tornando-se livre de todos e, ao mesmo tempo, sendo servo de todos;
2. a união com Deus dá-se por meio de Jesus Cristo, mantendo-se contato com a Humanidade, porém superando-a.

O humanismo cristocêntrico é, pois, um humanismo transcendente. Vendo-se como imagem de Deus, o homem ama a Deus acima de tudo, e ao próximo como a si mesmo.

No humanismo cristocêntrico combinam-se: a filosofia especulativa, a ciência dos fundamentos, a tecnologia e a ética.

A política, que trata da organização social, inclui a todos e, sob a perspectiva do humanismo cristocêntrico, deve partir dos pontos comuns a todos os homens.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Evangelho de Cristo na interseção de todas as doutrinas cristãs válidas

Um brainwriting preliminar em busca de novas sugestões


RESUMO

Nesta reflexão, faço uma tentativa de identificar e explicitar os pilares fundamentais de uma doutrina cristã universal dentro do campo cristão. Não se trata de defender o ecumenismo, mas de encontrar alguns elementos que possam ser válidos numa conversa civilizada entre pessoas que se dizem cristãs e, ao mesmo tempo, racionais. Se assim for, não se deve alimentar dissensões em torno de pontos difíceis, a não ser entre especialistas, e em local reservado. A conclusão desta reflexão é que, no ponto de partida ou no ponto de chegada, só existe um referencial: o Evangelho de Cristo na forma como Ele mesmo o resumiu.


1. INTRODUÇÃO

Para não alimentar nenhum tipo de confusão que possa insinuar-se ao longo deste texto, começo pelo ponto de partida que, ao final, também será a conclusão desta reflexão. A doutrina de Cristo foi sintetizada por Ele mesmo em Marcos 12:30-31:

"Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes."


Esta é a doutrina-raíz. Ela é simples, clara e concisa, mas não é fácil de ser praticada. O caráter do cristão capaz de praticá-la precisa ser formado pela educação cristã, embora o resultado final não possa ser garantido. E isso exige uma espécie de grade curricular, sendo este, conforme acredito, o significado das diversas doutrinas cristãs particulares.

Se o centro de tudo está no amor, como fica a questão genética? O amor é um dom de Deus, entregue na sua forma acabada, ou pode ser aprendido? Falando francamente, minha resposta é: - Não sei. Contudo, a experiência mostra que o homem só ultrapassa o seu nível animal pela educação. Então, acredito ser razoável que o amor também deva fazer parte dessa educação, embora ela não possa garanti-lo. Sob esta perspectiva, todos os desdobramentos da doutrina original de Cristo são uma espécie de grade curricular para ensinar a arte de amar.

Também, não sabemos em que proporção Deus atua diretamente, dentro da pessoa, ou por meio de intermediários. Agostinho lembrou, no seu livro A Doutrina Cristã, que Deus às vezes agiu diretamente, mas parece que Ele quis usar o homem como seu intermediário, como está registrado em muitas passagens bíblicas. Isso ocorreria para o benefício do homem que, assim fazendo, estaria demonstrando dignidade no uso do seu livre-arbítrio para o bem, ao invés de usá-lo para o mal.

Sabemos que a educação é uma necessidade, pois o próprio Cristo submeteu-se a ela, conforme foi dito em Lucas 2:52 "E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens."

Portanto, ao falar na construção de uma doutrina cristã, é preciso sempre explicitar o ponto de partida, mergulhar na luta que leve à sua realização e, ao final, confrontar-se novamente com este ponto de partida e assumir que ele é, também, o ponto de chegada. Se esse princípio não for aceito, não há sobre o que falar.

A construção de qualquer doutrina - que estou considerando como uma grade curricular para a educação - exige um método. Este será descrito a seguir em suas linhas gerais.


2. O MÉTODO

O método de pesquisa, em todas as áreas do conhecimento, tem uma estrutura geral fixa, embora possa ser expresso de muitas maneiras, e com diversos graus de detalhamento. O método de Einstein, por exemplo, está descrito no seu livro Notas Autobiográficas e no livro A Imaginação Científica, de Gerald Holton.

Einstein acreditava que cientista não é quem usa o método científico, mas quem tem a vocação de cientista. Apesar disso, afirmou que o domínio do método é mais importante do que usar o cérebro como depósito de informação. Esse método será descrito a seguir, em suas linhas gerais, com a devida atenção à sua adaptação para a pesquisa e elaboração de doutrinas e, em especial, as doutrinas cristãs.

Na sua versão mais avançada, o método científico pressupõe que se parta da certeza de que existe algo que não se vê, mas cujos indícios podem ser intuídos, ou percebidos por meios indiretos. Assume-se que é possível conhecer o que se busca e, em proporção à fé, busca-se com menor ou maior intensidade. A fé, por sua vez, é definida pelo Apóstolo Paulo em Hebreus 11:1 da seguinte maneira: "Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem."

No caso de Einstein, ele afirmou que, após intensa busca e, geralmente, em momentos não relacionados com essa busca, a verdade manifesta-se como axioma que traz certeza absoluta ao pesquisador. Entretanto, é necessário extrair as consequências lógicas desse axioma e testá-las por meio de experimentos apropriados. Foi por esse método que ele alega ter chegado à conclusão de que matéria e energia se equivalem segundo certa relação matemática. E isso foi amplamente comprovado na teoria e na prática.

Entretanto, é necessário adaptar o método científico à pesquisa em teologia. Tomás de Aquino, ao usá-lo muito antes de Einstein, partiu da aceitação da Revelação, sem a qual não seria possível conhecer Deus apropriadamente. No caso, ele assumiu que, para o crente, e apenas para o crente, seria possível ascender das coisas criadas e, por analogia, chegar a algum conhecimento do Criador. Isso seria útil para ajustar fé e razão e, assim, fortalecer a certeza já dada pela Revelação. Aquino buscava em todas as fontes que tinham credibilidade, pesava prós e contras, e decidia usando sua razão, mas sempre em conformidade com as verdades já firmadas pela Igreja.

O método, aplicado à elaboração de doutrinas, visa à interpretação e organização das informções existentes. As informações para se elaborar uma doutrina cristã devem ser buscadas, em primeiro lugar, na Bíblia, mas é necessário, ainda, consultar: os praticantes, os sistematizadores e os analistas, cujo significado será explicado mais à frente.

Parte-se de uma busca panorâmica, identificam-se os elementos essenciais a serem pesquisados e, em seguida, fazem-se análises desses elementos. Havendo mais de uma abordagem respeitável sobre o mesmo tema, comparam-se as abordagens e cria-se uma nova versão, que se supõe ser verdadeira.

Contudo, a avaliação final de qualquer doutrina, assim como de uma teoria científica, passa pelo crivo lógico, pela derivação de suas consequências, se verdadeiras, e pela confirmação dessas consequências na prática. Quanto aos que se dizem adeptos da doutrina de Cristo, por exemplo, o critério de avaliação foi dado pelo próprio Cristo:"Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. Mateus 7:20"

Ao buscar informações na Bíblia, é preciso levar em consideração que algumas passagens parecem ser obscuras, ou estar em contradição com outras. Isso pode dar margens a erros, na melhor das hipóteses, ou falsificações, na hipótese de ela estar sendo usada com má fé. Os especialistas formuladores de doutrinas, como ocorreu com Agostinho, Lutero e Calvino, precisam estudar hermenêutica e exegese, além de vários outros temas filosóficos e científicos. Mesmo assim, as eventuais doutrinas criadas não têm valor algum se não puderem ser confrontadas com a prática para referendá-las.

Tomados todos os cuidados pertinentes, ainda é preciso levar em consideração que uma eventual doutrina cristã assim elaborada não pode passar de mero desdobramento da doutrina-raíz que nos foi dada por Cristo. Pode ser que uma versão elaborada com todos os cuidados, alguns dos quais foram aqui citados, seja mais compreensível do que as demais existentes, inclusive destacando aspectos anteriormente esquecidos.

A consolidação de um currículo para a educação cristã, ou doutrina cristã, necessita que se façam consultas, além da Bíblia, a outras fontes de pesquisa completamentares. Quanto a isso, ressalte-se a recomendação do Apóstolo Paulo em 1 Tessalonicenses 5:21: Examinai tudo. Retende o bem.

Há ainda que se destacar, no caso da educação quanto a uma doutrina, que a aprendizagem primeiro se dá pelo exemplo. O educando, num primeiro momento, presta atenção e absorve as lições sem questioná-las, principalmente nos seus primeiros anos de vida. Com o tempo, pode rejeitar a mensagem e iniciar buscas próprias, ou pode simplesmente ajustar a mensagem recebida à realidade, de acordo com as suas condições de existência.

No caso da educação cristã, o aprendiz, ao atingir certo nível de sabedoria, torna-se praticante autônomo. Ele deve, então, julgar cada caso particular a que é submetido segundo o princípio geral fixado no seu intelecto e no seu coração pela doutrina. Sendo necessário, ele deverá tomar decisões que, posteriormente, poderá revisar. Assim, ele não mais se torna preso aos detalhes de uma doutrina qualquer, mas à doutrina-raiz que se fixou no seu ser. Em linguagem laica, ele se torna um praticante reflexivo, um verdadeiro pesquisador da verdade na sua vida diária.

A seguir serão dadas explicações sobre o significado das fontes de consulta para a elaboração de doutrinas, aqui chamadas de: praticantes, sistematizadores e analistas.

2.1 - Os Praticantes
No cristianismo, entendo que os praticantes são as pessoas reconhecidas pelo seu comportamento orientado pela doutrina de Cristo, esta centrada no "amor a Deus e ao próximo". É evidente que qualquer julgamento sobre a prática de alguem quanto a essa doutrina é sempre superficial, pois só Deus pode avaliar o que se passa no interior do homem, não importa o quanto o seu discurso e sua prática exterior sejam compatíveis com a doutrina publicamente professada.

A pergunta central, quanto aos praticantes é: existem modelos de cristãos com os quais se possa aprender algo da doutrina de Cristo ao longo dos séculos?

Como o principal documento comum a todos os cristãos é a Bíblia, a menos de alguns livros em que não há consenso entre católicos e protestantes, segue-se que os modelos típicos devem ser buscados nela, em primeiro lugar. Cristo é o cabeça desses modelos. Seus apóstolos são os modelos secundários. Todos os demais personagens são modelos terciários, mas ainda válidos, seja como exemplos do que fazer, seja como exemplos do que não fazer.

Contudo, é preciso que tais modelos sejam encontrados ao longo dos séculos, sob pena de se considerar que a doutrina tenha sido extinta. A Igreja Católica, além dos modelos bíblicos, adota os santos como referência, aos quais dá uma espécie de certificado de garantia de que foram cristãos piedosos e dignos de serem levados em conta como modelos de vida. Os protestantes não recomedam modelos fixos além do próprio Jesus Cristo e dos demais modelos bíblicos. Contudo, eles costumam indicar, sem exclusividade e sem unanimidade, pessoas que consideram gigantes da fé.

2.2 - Os Sistematizadores
Os sistematizadores formulam doutrinas que, por sua vez, podem ou não ser incorporadas pela orgnanização humana chamada igreja. Para sistematizar, eles precisam ser também analistas, mas para que seus sistemas tenham credibilidade, eles precisam ser praticantes respeitáveis. Senão tudo se transformaria em hipocrisia.

Além do próprio Cristo, que deixou uma doutrina devidamente ilustrada com bons exemplos, parece que o único sistematizador de amplo espectro aceito por todos é o Apóstolo Paulo. Contudo, com base em Paulo, e também por outros motivos, tiraram-se conclusões que colocaram protestantes e católicos em oposição, o que dividiu a Igreja de Cristo - a militante - no século XVI.

Depois de Paulo, embora vários outros sistematizadores tenham dado a sua contribuição, o consenso recai, por vários séculos, sobre Agostinho de Hipona, o Santo Agostinho da Igreja Católica. Ele é considerado uma fonte tanto para o catolicismo como para o protestantismo. Mas, igualmente, é citado para defender certas posições que são antagônicas entre si.

Após Agostinho, um novo sistematizador foi adotado como referencial pela Igreja Católica Romana: Tomás de Aquino. Mas, ele não é bem aceito pelos protestantes, embora estes o estudem como sendo representativo da teologia tipicamente católica. Contudo, Aquino absorveu a doutrina-raíz de Cristo, além dos aspectos essenciais das doutrinas registradas pelo Apóstolo Paulo e por Agostinho de Hipona. A predestinação, por exemplo, da qual Calvino é acusado de ser o principal defensor, tem sua defesa racional em Aquino, embora a Igreja Católica não a tenha adotado na forma como ele a sistematizou.

Entre os protestantes, destacam-se Lutero, que deu origem ao seguimento independente denominado luterano, e Calvino, que deu origem ao calvinismo. Ambos reportam-se a Paulo e a Agostinho; porém, como forma de chegar novamente a Cristo. Contudo, eles não conseguiram estabelecer uma doutrina totalmente compartilhada. Seus adeptos seguiram caminhos próprios, embora tenham preservado certas crenças comuns.

2.3 - Os Analistas
Tanto os praticantes como os sistematizdores podem ser também analistas. Entretanto, destaco os analistas em sentido pleno; eles não precisam ser, necessariamente, praticantes ou sistematizadores. Sua ênfase é colocada na análise da consistência lógica interna de uma doutrina, e confrontam as divervas doutrinas entre si para explicitar suas semelhanças e diferenças. Eventualmente eles infuenciam praticantes e sistematizadores mais intelectualizados, e podem até chegar a fazer propostas de sistematização.

2.3.1 - Os analistas lógicos
Eles analisam, ou deveriam analisar as doutrinas sem pressupostos. Sua intervenção deveria ater-se a encontrar contradições na lógica adotada e apresentá-las de forma clara. Na atualidade eles se comportam como analistas do discurso, e estão atentos para o choque entre a prédica e a prática. Geralmente eles desconfiam de intenções ocultas, estas de natureza ideológica, visando a conquistar, às vezes subliminarmente, corações e mentes para uma visão de mundo. Acredita-se que raramente alguém possa atuar com tamanha isenção, pois, quer explicitem ou não, toda pessoa julga a realidade a partir de uma visão de mundo.

2.3.2 - Os analistas ateus ativistas
Eles partem do principio de que não há Deus. A partir dai tentam demolir todos os argumentos contrários aos seus. É como se eles fossem crentes no ateísmo e, por isso, não têm credibilidade junto aos crentes, nem junto aos analistas que se pretendem cientistas objetivos, aqui chamados de analistas lógicos. Contudo, no que se refere ao levantamento de possíveis contradições nos textos que analisam, eles devem ser levados em consideração, pois dedicam-se com afinco a essa tarefa.

2.3.3 - Os analistas crentes
Eles partem de princípios gerais aceitos por todos os crentes, ou pelos crentes do seu seguimento cristão, e questionam apenas os desdobramentos e argumentos secundários que não vão contra a fé estabelecida. Eles têm a vantagem de, como crentes assumidos, não necessitarem dar explicações aos ateus. Quando se confrontam com eles, procuram fazê-lo apenas no nível da lógica, e não da afirmação da própria crença pela persuasão.

2.3.4 - Os analistas "crentes agnósticos"
Eles se dizem crentes, mas têm dúvidas. Por isso propõem-se a fazer análises usando o método científico pretensamente neutro. Neste caso, eles podem chocar-se contra verdades aceitas, e questioná-las. Mesmo quando se mantêm fieis a certas crenças comuns, costumam ser rejeitados pelos crentes que se dizem ortodoxos.


3. ALGUNS ELEMENTOS COMUNS A TODAS AS DOUTRINAS VÁLIDAS

Levando em consideração o método anteriormente explicado, fiz leituras críticas que me levaram a identificar os pilares fundamentais das doutrinas cristãs, na forma como os julguei úteis à educação.

Tomei como referências: Jesus Cristo, o Apóstolo Paulo, Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Lutero e Calvino. A partir das minhas leituras, conclui que os resultados a que cheguei poderiam ser aceitos por todos eles, e que os pilares encontrados estão presentes, de forma explícita ou implícita, nos documentos católicos e protestantes.

Contudo, faço este exercício apenas como um reflexão, e recomendo que, à medida do possível, o leigo que deseja usar sua razão, faça suas próprias reflexões e tire suas próprias conclusões.

3.1 - Deus
Deus é aceito por todo o campo cristão como sendo triuno. Todos O consideram como a fonte invisível de toda realidade visível, e praticamente não há discordâncias sobre Ele, exceto quanto à aparente contradição entre Sua onipotência e o livre-arbítrio humano. O Deus Filho, encarnado como Jesus Cristo, fez a conexão entre o homem e Deus, mostrando o caminho da salvação para além deste mundo.

Nesta reflexão, Deus não foi objeto de especulação. Assumi que, quanto a tudo que não esteja ao alcance da razão humana - pelo menos da minha razão - a Seu respeito, deve-se calar. Insistir em debater, para público não especializado, o que foi considerado incompreensível pelos grandes filósos cristãos, é inútil e perigoso, pois pode deseducar e gerar dúvidas.

3.2 - O Amor
O amor deve referir-se a Deus e ao próximo. Sua prática pressupõe fé, e gera esperança. A expressão sintética mais autoritativa a esse respeito foi feita por Jesus na síntese que Ele fez da Lei e dos Profetas. Ela é reforçada maravilhosamente pelo Apóstolo Paulo em 1 Coríntios 13.

Entretanto, o amor - a Deus e ao próximo - só se concretiza na vida prática. Esta, por sua vez, demanda educação. Daí que as doutrinas particulares devam apresentar-se como uma espécie de grade curricular de educação para a vida, conforme veremos.

Certas questões difíceis não precisam ser abordadas nesta reflexão, pois tornam-se irrelevantes para o praticante. Por exemplo, a questão do conflito entre fé e obras. A fé, em sentido pleno, gera as obras da fé. Por outro lado, obras, feitas como tais, não salvam. Entretanto, o mundo precisa de obras, sejam elas obras de salvação, ou obras realizadas para o bem estar neste mundo.

Igualmente, não é relevante, para esta reflexão, a questão da eleição e da predestinação. Se alguém é eleito e predestinado, ele precisa de educação. Como não se pode saber, antecipamente, nada a esse respeito, há que se submeter todos à melhor educação possível, de acordo com a capacidade que cada um demonstra. Feito o melhor possível, de acordo com a melhor tecnologia educacional existente, os resultados devem ser deixados para que Deus os conduza.

Temas como a quantidade e qualidade dos sacramentos, entre outros, também não são relevantes para esta reflexão. Cada doutrina se mantém de pé ou cai na proporção em que use sua liberdade de consciência para escolher o que é certo ou errado quanto ao que vai além daquilo que foi recomendado diretamente por Jesus Cristo. Ninguém é obrigado a concordar com esses aspectos particulares, nem pode impor aos demais seguimentos sua forma de interpretá-los, pois a liberdade de consciência, enquanto for da vontade de Deus, é uma conquista definitiva das sociedades abertas.

Assim, na vida prática, serão focados, nesta reflexão, apenas elementos comuns passíveis de aceitação por todos os seguimentos cristãos e, eventualmente, pela educação laica. Pelo menos essa é a intenção.

3.3 - A Vida Prática
Deus, para o educando, deve ser apresentado como a fonte do amor, inclusive aquele que lhe é dedicado. O amor não apenas deve ser aplicado ao aprendiz, como também deve orientar a prática do relacionamento dos seus pais, familiares e, se possível, professores em geral. O recém-nascido, como o peixe, deve nascer mergulhado na vida cristã prática.

Sob a perspectiva laica, o amor deve, no mínimo, ser substituído por respeito e solidariedade. Isso implica que a educação laica fornecida pelo Estado deve ser cobrada como a melhor síntese do avanço da civilização. A educação cristã não pode estar aquém dessa educação laica universal, embora deva superá-la em muito. E isso é muito difícil, embora não seja impossível.

Na vida prática, os rituais têm um importante papel para fixar o caráter por meio de hábitos, valores e disposições para a ação. Estes, por sua vez, devem se fixados em ambientes que combinem emoção sadia com o desenvolvimeto de um senso crítico que permita separar a verdade da falsidade e do erro. O medo deve ser evitado, pois ele pode gerar o fariseu covarde. Enfim, a fé, o amor e a esperança, devem conduzir a vida.

Os principais elementos para um currículo de educação cristã, conforme consegui distingui-los, ainda que provisoriamente, serão destacados a seguir.

3.3.1 - Formação da Identidade
A identidade do cristão, embora possa ser expressa de várias maneiras, já está bem definida a priori. Ela compreende sua missão, sua visão de futuro e seus valores.

Missão
Amar a Deus e ao próximo. Isso implica servir.

Visão de Futuro
União com Deus. Isso implica buscar essa união desde já, mas sabendo que ela se concretizará apenas na outra vida.

Valores
Podem ser expressos de muitas maneiras, mas algumas palavras são importantes para fixá-los; por exemplo: justiça, bondade e humildade.

Essa identidade poderá ser fixada paulatinamente por meio de diálogos, leituras e apresentação de casos na forma de histórias agradáveis, além de jogos que simulem situações cuja identidade é posta à prova.

3.3.2 - Fixação dos Bons Hábitos
Cada novo ser humano chega ao mundo e herda a cultura estabelecida. Para que ele não tenha que viver toda a história da Humanidade, os hábitos filtrados por sua comunidade lhe são transmitidos. No caso do cristianismo, esses hábitos são aqueles julgados como válidos e necessários para vivenciá-lo.

Os principais hábitos a serem fixados na infância poderiam ser, entre outros: orar o Pai Nosso, agradecer a Deus pelas refeições, dizer muito obrigado e por favor, visitar os doentes nos hospitais, ajudar a quem precisa. Logicamente, os hábitos devem ser escolhidos para dar suporte á vida como um todo, e não apenas quanto ao comportamento estritamente cristão. O núcleo sadio da educação laica é plenamente compatível com a educação cristã, como é o caso dos pilares propostos pela UNESCO: aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a aprender.

Tendo em vista a questão da sustentabilidade, por exemplo, é preciso que se criem hábitos relativos ao bom uso dos recursos disponíveis, visando a garantir uma vida de qualidade para as gerações futuras. Contudo, os hábitos que garantem uma vida coletiva satisfatória, em sentido laico, não têm relação com a salvação da alma.

3.3.3 - Desenvolvimento do Senso Crítico
Hábitos são herdados, mas nem sempre há garantia de que sejam os mais apropriados. Pode ser que não houvesse conhecimento suficente quando eles foram fixados. Então, o mais importante é o desenvolvimento de um senso critico capaz de avaliá-los, assim como se deve avaliar cada situação particular da vida. Em verdade, trata-se de consolidar o bom senso, a partir do domínio da dinâmica do conhecimento humano.

O senso de divindade, o senso mais importante para o cristão, faz parte de sua estrutura íntima, devendo ser apenas ativado, inicialmente a partir do hábito de participar das atividades da religião racionalmente administrada. O robustecimento desse senso depende de estudo, reflexão, e prática, tanto individual como coletivamente.

3.3.4 - Filiação a uma Denominção Séria
O processo educativo, para ser transmitido de geração em geração, exige uma instituição para tal. Assim, as denominações cristãs justificam-se como guardiãs da doutrina de Cristo, esta desdobrada na grade curricular típica da denominação considerada. Essa grade curricular, ou doutrina, por sua vez, deve ser submetida ao senso crítico de vez em quando, pois ela pode fixar elementos humanos nascidos do orgulho e da ignorância dos seus formuladores.

A perspectiva crítica aqui defendida esteve no cerne da Reforma Protestante do século XVI. Ela consolidou-se, principalmente, no presbiterianismo, cujas características serão sumariamente apresentadas a seguir, conforme pude compreendê-las.


4. PRESBITERIANISMO: Um Caso Particular de Expressão do Evangelho de Cristo

4.1 - O Presbiterianismo
O presbiterianismo equivale à forma como John Knox intrepretou a Reforma Protestante do Século XVI, e a implementou na Escócia. O contexto era de confronto com a Igreja Católica Apostólica Romana. Sua principal característica é a democracia representativa, por meio de administração colegiada de toda a comunidade, como é feito hoje nas melhores Universidades Federais brasileiras.

John Knox foi obrigado a aceitar a luta, discursiva e física, visando à liberdade de culto a Deus segundo sua compreensão do que fosse a doutrina de Cristo na sua forma mais pura, esta interpretada, à época, por João Calvino. Knox venceu a luta. A partir da Escócia, e de outros países europeus, o presbiterianismo migrou para os Estados Unidos e, de lá, para o Brasil. Meu contato com ele deu-se por nascimento numa comunidade ligada à IPB - Igreja Presbiteriana do Brasil, da qual destaco os seguintes aspectos essenciais.

4.1.1 - A doutrina da IPB tem como ponto de partida o Evangelho de Cristo conforme apresentado pelo próprio Jesus Cristo em Mateus, Marcos, Lucas e João. Este Evangelho, por sua vez, está anunciado na Bíblia, de Gênesis a Apocalipse.

4.1.2 - A Bíblia é o documento máximo de onde são retirados todos os demais documentos, inclusive a Confissão de Fé de Westminster, assumida como sendo a melhor exposição da sua doutrina.

4.1.3 - A IPB considera que todo documento redigido por homens, ainda que eles usem a Bíblia como fonte, estão sujeitos a falhas humanas. Com isso, abre-se a possibilidade de que todos eles sejam analisados criticamente, sempre tendo como referência a própria Bíblia.

4.1.4 - A IPB adota alguns pontos de vista que, apesar de serem bíblicos, ou dela derivados pela análise lógica, não são compartilhados por outros seguimentos cristãos. Um exemplo típico é o batismo por aspersão, este compartilhado com a Igreja Católica Romana, porém rejeitado pela maioria dos demais seguimentos. Entretanto, a IPB julga que esses pontos de conflito não fazem parte do núcleo pétreo da doutrina de Cristo.

4.2 - Conclusão sobre a Doutrina Presbiteriana
Conforme pude compreender, a doutrina presbiteriana tem no seu núcleo pétreo a própria doutrina de Cristo. Ela reconhece que a forma particular com que expressa essa doutrina, para efeito de educação, pode ser continuamente analisada e melhorada. Ela está consciente de que a prática diária deve ser conduzida segundo os aspectos firmemente estabelecidos, não aceitando sua livre mudança por líderes de comunidades. Toda eventual mudança deve ser pensada e analisada com base no pensamento racional das pessoas que foram devidamente preparadas para enfrentar esse desafio, isso de forma institucional. A IPB não faz diferenciação entre doutos e indoutos, sob a perspectiva humana, mas entre piedosos e não piedosos, segundo a prescrição do Evangelho de Cristo na sua forma mais pura.


5. CONCLUSÃO GERAL

Conforme foi dito já na introdução desta reflexão, a mais autorizada versão da doutrina de Cristo foi dada por Ele mesmo. Ela não é uma questão teórica, mas, essencialmente, prática. Contudo, cada seguimento cristão vê-se na necessidade de formular sua grade curricular, ou doutrina, para educar os seus membros. Nesse processo podem perder-se em discussões de aspectos secundários e, assim, descuidarem da prática da doutrina-raiz.

Quanto a Deus, só se chega a Ele pelo amor, este proveniente da fé. O amor é o elemento central, no qual tudo se dilui, inclusive a fé. Fé e amor geram esperança. Esta deve ser alimentada na vida prática por meio de mecanismos de apoio, entre os quais os diversos ingredientes da sã doutrina, como os sacramentos corretos. Porém, os diversos seguimentos cristãos não são unânimes em todos os detalhes de suas doutrinas, embora compartilhem do núcleo central da doutrina de Cristo.

Embora lamentável, essa divisão é inevitável enquanto não houver amadurecimento no amor e no uso da razão. O Apostolo Paulo enxergou isso em sua época e, embora defendesse a unidade em torno do núcleo pétreo, capaz de unir todos os cristãos, suportou a idéia de que os partidos - no caso denominações -, se se comportarem dentro de certos limites, devem ser tolerados. Paulo chegou a fazer referência aos fracos na fé, os quais, na sua opinião, não deveriam ser desafiados, nem constrangidos.

Assim, o núcleo pétreo do Evangelho de Cristo é sempre e eternamente o mesmo.

Defendo que é necessário ter em mente esse ponto de partida unificador, evitar a discussão pública dos aspectos que trazem divergências, promover discussões entre especialistas para se chegar ao consenso e, sobretudo, enfatizar a prática daqueles aspectos que, embora óbvios, são esquecidos exatamente pelo fato de serem óbvios.

O óbvio que precisa ser posto em prática foi apresentado por Ele em Marcos 12:30-31:

"Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes."

Esta reflexão chega ao final, conforme prometido desde o início, enfatizando o seu ponto de partida. O Evangelho de Cristo, resumido por ele mesmo, deve orientar qualquer diálogo bem intencionado. Ele deveria ser suficiente, quando citado, para calar quaisquer dissensões e envolver a todos, imediatamente, na sua prática.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O evangelho dos lobos e charlatães

Uns, pois, clamavam de uma maneira, outros de outra, porque o ajuntamento era confuso; e os mais deles não sabiam por que causa se tinham ajuntado. Atos 19:32

Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados, e a convocação das assembléias; não posso suportar iniqüidade, nem mesmo a reunião solene. Isaías 1:13

Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. Mateus 7:15

Deus não é fonte de confusão, mas alguns dos seus supostos representantes na Terra O desmoralizam a esse respeito. E isso pode dar-se por ignorância ou por má fé. Resumindo numa só algumas das mensagens que já ouvi de vários pregadores, de vários seguimentos cristãos, o resultado seria mais ou menos o caos que vem a seguir. Avaliei o campo cristão, não uma denominação em particular. Ajustei os discursos com minhas próprias palavras, portanto, eles passam a representar apenas uma ficção, cuja equivalência com a realidade poderá ser avaliada apenas de acordo com a experiência de cada leitor. Seguem alguns discursos típicos.

Discurso 1: "Você, meu irmão, não pode fazer nada pela sua salvação, pois ela tem seu início e finalização exclusivamente em Deus. Porém, esse processo tem alguns passos muito bem definidos, sendo que o último deles consiste no arrependimento. Contudo, quanto a isso fica uma pequena dúvida. Há quem diga que o arrependimento é precedido pela regeneração, esta vindo antes da fé. Há quem diga que a fé vem em primeiro lugar. Estou pensando em fazer um doutorado para esclarecer a dúvida. Quando eu a tiver esclarecido, voltarei ao tema, talvez daqui a uns quatro ou cinco anos. Mas, de uma coisa eu sei, e nem preciso estudar mais para afirmar: não há nada que você possa fazer pela sua salvação. Tudo já está decidido; mas, você é completamente responsável pelo que já está decidido."

Discurso 2: "Ah, meu querido irmão. Você precisa adquirir fé, pois sem fé ninguém pode ser salvo. Entretanto, saiba que a fé é dom de Deus. Se Ele não lha deu, é porque você não a merece. Meu irmão, quando Deus elege uma ovelha para o Céu, ela irá para lá, tenha ela fé ou não, faça obras ou não. Contudo, a fé vem pelo ouvir. Então, se você não ouvir, já está condenado. Mas você não pode ouvir a mensagem em qualquer lugar. Escolha alguma igreja que seja genuinamente cristã, desde que não sejam tais e tais. Por outro lado, mesmo aquelas que eu gostaria de lhe indicar já estão irremediavelmente contaminadas pelo inimigo, pois elas não reconhecem esta igreja na qual sirvo como Ministro de Deus, como sendo cristã. Satanás tomou posse de tudo, meu irmão!"

Discurso 3: "Meu irmão, Deus odeia pecadores, e exige que você seja tão perfeito quanto Ele. Mas, obviamente, isso não é possível, pois Ele é perfeito ao infinito, enquanto você é finito e, por definição, infinitamente imperfeito em relação a Ele. Arrepanda-se pois, meu irmão, e faça as obras da fé. Mas saiba que a salvação só depende da Graça, e esta, como você sabe, não é de graça, pois depende que você invista em si mesmo e desenvolva sua salvação diariamente, embora nenhuma obra que você faça seja contabilizada a seu favor. Trabalhe duro, meu irmão, mas não espere retorno, nem mesmo a esperança de ir para o Céu por causa do seu esforço."

Discurso 4: "Meu irmão, faça os sacrifícios que eu lhe estou prescrevendo. Deus, certamente, o aceitará. Ele não pode negar a si mesmo, portanto, não pode deixar de atender os sacrifícios que Ele mesmo instituiu, neste caso, por meu intermédio. Venda tudo que tem, dê-me todo o dinheiro apurado e siga-me. Eu investirei o seu sacrifício no crescimento do Reino de Deus, e Deus, que tudo vê, lhe dará a recompensa. Mas, se por acaso, depois de muito persistir, não receber o que pediu, isso é sinal de que você não tem fé. Então, pode deixar a minha igreja, pois ela só aceita pessoas de fé. Não estamos aqui para perder tempo."

Discurso 5: "Meu irmão, você nem precisa ter fé, como disseram aqueles lobos vorazes daquele ministério que você sabe qual é. Eu tenho fé suficiente por você, e montei uma equipe que tem fé para todo mundo. Venha e veja quantos milagres Deus tem feito por meu intermédio, poder que foi retransmitido aos meus auxiliares que estão nas minhas franquias, as quais pretendo espalhar por todo o mundo, se Deus quiser, é claro. Sua salvação neste ministério que Deus me deu é segura. Mas você precisa demonstrar a sua confiança repassando-me uns ridículos 30% dos seus rendimentos deste mês. Só isso. Os 70% restantes podem ficar com você, apesar de tudo ser de Deus. Veja como sou razoável! Veja os milagres que estão acontecendo por aqui e tenha certeza de que o seu investimento é seguro. Minha fé, que eu coloco gratuitamente à sua disposição, é uma fé de resultados."

Discurso 6: "Meu irmão, Deus não é um ser confuso. Se você não entendeu esta claríssima mensagem que o Espírito Santo me enviou, procure-me para esclarecimentos. Pode ser que Ele tenha endurecido o seu coração para evitar que você, compreendendo e aceitando a mensagem, seja salvo. No seu caso, pode ser que Ele o tenha reservado amorosamente para o inferno. Porém, pode ser que tudo seja o contrário do que eu disse. Que Deus o ilumine, pois se você não é capaz de entender esta claríssima mensagem, você está nas trevas. Lembre-se: - Não basta ter fé; é preciso raciocinar. Mas se o seu raciocínio levá-lo a desconfiar de mim, eu não estou nem ai, meu irmão. O problema é seu."

Eu poderia acrescentar vários outros discursos de charlatães e lobos. Mas prefiro que você mesmo fique atento para captar essas tolices.

Diante dessa confusão, a ovelha que não usa o seu senso crítico pode até sentir-se feliz, pois não percebe o que está acontecendo. Se o ambiente é neurolinguisticamente programado, o sistema nervoso da ovelha armazena somente o que interessa: sons agradáveis, músicas, cenários, gestos, promessas e os muitos "milagres" que pensa ter presenciado. Entretanto, se a ovelha analisa criticamente as várias mensagens que estão no ar, além daquelas que recebe do seu próprio seguimento, ela sente como se a sua razão tivesse que engolir um círculo quadrado sob a alegação de que isso é perfeitamente compatível com a teo-lógica, ou lógica divina.

Cheguei a sonhar com uma ovelha que, após ter sido sacrificada, teve o seu cérebro extraído para uma autopsia. Ele estava completamente deteriorado, cheio de ratos e outras coisas estranhas. Consultei algumas dessas ovelhas mais inteligentes, e pude perceber que é exatamente assim que elas se sentiam. Caso não encontre um ambiente cristão sério, onde possa repousar, uma ovelha pode encontrar a ilusão do paraíso na religião antropocêntrica, mas poderá encontrar o inferno naquela que, dirigida por um charlatão, insiste em dizer que é completamente teocêntrica.

Qual será o futuro espiritual desses lobos, doutores-charlatães e charlatães indoutos que usurpam o nome Cristo para usar em benefício próprio?

As muitas doutrinas contraditórias anulam o Evangelho de Cristo tornando-o motivo de riso para o inimigo. Entretanto, como sabemos, Cristo é manso e suave, e, sendo o Caminho, a Verdade e a Vida, não pode ser apresentado de maneira tão confusa. Ele é Amor e Razão, e mesmo que não possa ser compreendido totalmente, pode ser aceito por fé esclarecida, esta gerando os frutos do amor. Conheci pessoas que viviam verdadeiramente segundo o Evangelho, e elas eram felizes, apesar de estarem submetidas aos mesmos sofrimentos das demais pessoas.

Todos os usurpadores dizem que suas doutrinas são bíblicas. E se assim for, eles deveriam ser proibidos de interpretar a Bíblia. A sua livre interpretação, conforme tem ocorrido, deve ser considerada crime contra Deus e contra a Humanidade - falo com indignação, mas sou favorável à liberdade de consciência -. Séculos de confusão têm decorrido desde que diversos seguimentos ditos cristãos ultrapassaram a mensagem direta e simples trazida pelo próprio Cristo, e passaram a defender o direito de criar suas doutrinas indo muito além do que Ele anunciou. Eles alegam ter a chave hermenêutica, mas dizem que a chave dos seus concorrentes é falsa.

Apesar de ser um leigo, suponho que é preciso voltar ao Evangelho na sua raiz, que, conforme o próprio Cristo afirmou, consiste em "amar a Deus acima de tudo, e ao próximo como a si mesmo". Esse Evangelho traz esperança e está isento de confusão. Ele é apropriado à compreensão do indouto, mas, para os charlatães - doutos ou indoutos -, e para os lobos vorazes, ele é considerado insuficiente por ser simples demais. Eles fazem questão de tornar tudo mais complicado e inacessível para se firmarem como intermediários entre Deus e o homem. Afinal, eles vivem disso.

Que Deus nos livre dessa confusão, e que nos ilumine para que não pereçamos nas trevas da ignorância e da esperteza. Alguns entre os que julgam ter a chave do conhecimento que leva ao Céu, não entram, nem deixam que outros entrem. Já os lobos vorazes constroem suas armadilhas próximas à porta do Céu, e se extasiam com as filas enormes de ovelhas que se propõem a cair nelas.