quarta-feira, 16 de junho de 2010

A doutrina mínima

Em minha opinião, o cristão, como a criança, deve começar sua vida num ambiente de doutrina mínima: o amor. Na forma como Jesus Cristo resumiu essa doutrina, ela subentende o amor a Deus e ao próximo. Mas, é preciso tomar cuidado para que essa doutrina não sofra as divisões tradicionais, do tipo fé ou obras. Ela deve ser aceita como a síntese perfeita que incorpora tudo o que é necessário à salvação.

A prática do amor é problemática no mundo onde cada pessoa aprende a aferir a sua importância pelo dinheiro, ou posição social, ou outros tipos de poder que acumula. A pessoa que assim pensa torna-se pragmática ao extremo, e não acredita em princípios. Se a criança não receber os cuidados básicos, e se não viver em um ambiente de amor, ela não compreenderá a línguagem do amor. Ao contrário, poderá tornar-se hipócrita. O mesmo ocorre com o cristão iniciante.

Pode ocorrer que algumas pessoas, mesmo que tenham sido criadas num ambiente de amor desinteressado, desviem-se desse caminho. Isso acontece especialmente quando buscam o benefício próprio em tudo que fazem, ignorando as necessidades e interesses do outro. Para elas não basta uma doutrina mínima. Elas necessitam de uma doutrina detalhada. Outras pessoas sentem necessidade de doutrinas que sejam restritas ao seu grupo. Muitas vezes elas participam de intermináveis discussões sobre assuntos que não entendem, manipulando-os por meio de artifícios retóricos.

Contudo, algumas pessoas, após viver e analisar doutrinas diversas, acabam chegando à conclusão de que devem voltar à doutrina mínima centrada no amor. Assim, após demorados períodos de estudos e reflexões, descobrem que a verdade já era conhecida em sua infância, mas que foi necessário redescobri-la. Talvez por isso Jesus tenha afirmado que a Lei e os Profetas se resume na lei do amor a Deus e ao próximo, por meio da Sua intercessão.

Os que persistem na arrogância, contudo, não se contentam com tamanha simplicidade. Continuam mergulhando na areia movediça das discussões sem fim, pois tornam-se escravos do intelecto orgulhoso. Quanto mais estudam mais se afastam da verdade, pois julgam possuí-la quando, de fato, estão perdidos no pântano das opiniões e das crenças infundadas.

As pessoas que assumem essa atitude conscientemente decidiram viver separadas de Deus. Para elas não há solução. Se esse comportamento é devido a alguma doença da alma, fica a dúvida: - como serão tratadas pelo Criador? E a única resposta que tenho para essa pergunta é: - só Deus sabe! Mas, eu espero que sua doença seja levada em consideraçao.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Deus, a Bíblia e Seus Intérpretes

Reflexões de um leigo que está testando sua possível vocação como evangelista de um público com mentalidade científica
(Texto em redação e passível de muitas modificações. Versão de 10/06/2010. )

RESUMO
Sob o impacto das lições 8 – A Interpretação da Bíblia, 9 – A Interpretação Pessoal, e 10 – A Incompreensibilidade de Deus, do livro Verdades Essenciais da Fé Cristã, de R. C Sproul, 1º Caderno, tecerei algumas reflexões pessoais que, espero, possam contribuir para o aperfeiçoamento da minha capacitação para o estudo pessoal da Bíblia. Faço isso na expectativa de auto-aperfeiçoamento, pois tenho que esclarecer, para mim mesmo, se fui chamado para dar algum tipo de contribuição na divulgação da Palavra entre cristãos nominais, racionalistas críticos, agnósticos e ateus.

1) Introdução
O ser humano, em algum momento de sua vida, tem necessidade de saber sua origem e destino, em termos definitivos. Para os cristãos a resposta está em Deus, que pode ser conhecido por meio da Bíblia que, por sua vez, exige interpretação.

Mas, os intérpretes são falíveis, discordam entre si, e agrupam-se em função de certo consenso mínimo. Com o tempo, mudam de opinião e, eventualmente, se reposicionam. A liberdade quanto ao exame da Bíblia, pressuposto da Reforma Protestante, tem sido confundida com liberdade de interpretação, até mesmo pelo leitor que não foi preparado para tal.

Assim, é preciso refletir sobre Deus, a Bíblia e sobre a possibilidade de interpretá-la. Neste texto procuro fazer uma reflexão de natureza crítica, levando-se em conta a discussão do assunto com um público de mentalidade científica, formado por crentes, agnósticos e ateus.

Esse público preza o conhecimento, mas nem sempre sabe que a sua busca depende da fé, esta entendida como uma convicção da existência de coisas que não se veem, mas que se pressupõe existirem. Então, torna-se necessário discutir sobre teoria do conhecimento, tomando como referência um modelo teórico respeitável – no caso, o de Einstein -.

A questão do conhecimento, por sua vez, precisa ser analisada a partir do reconhecimento da falibilidade humana ao interpretar qualquer coisa, seja por meio de textos, seja por meio de interação direta com o objeto da pesquisa.

Tendo em vista os argumentos anteriores, e para tornar a minha fé mais esclarecida, refletirei brevemente sobre Deus, a Bíblia, a falibilidade humana e a teoria do conhecimento.

Como conclusão, proponho que o leitor da Bíblia que deseja aventurar-se um pouco mais além do seu uso para alimento próprio, deve ser orientado a partir dos seus intérpretes clássicos que se prepararam arduamente para tal.

Começo esta reflexão pelo assunto mais difícil: Deus.

2) Deus
Descartes fez a famosa afirmação "Penso, logo existo."  Agostinho de Hipona, respondendo aos seus críticos,  já havia feito uma afirmação mais completa: "Penso, logo me engano e, se me engano, existo."  Contudo, persiste a pergunta "Quem sou, e qual a minha origem?"

Calvino afirmou que a verdadeira sabedoria consiste no conhecimento do homem e de Deus, tendo questionado qual deles é o primeiro a se buscar, e onde. Ele optou pela busca do conhecimento de Deus em primeiro lugar, a partir da Bíblia.

Ora, a Bíblia contém a Palavra impressa. Se a Palavra lida, ou ouvida - já que a fé vem pelo ouvir -, não afetar o interior do homem, qual o seu valor? O Deus vivo age no interior do homem, e entre os homens. Tudo gira, pois, em torno de Deus.

Então, a pergunta central desta reflexão é : - Deus existe?

Obviamente que esta pergunta já foi respondida positivamente pelos cristãos, mas é preciso ter em mente um escopo mais amplo, pois os possíveis interlocutores têm diferentes posições sobre a possibilidade de Deus.

Entre as pessoas reconhecidas por sua inteligência, algumas responderam negativamente e outras positivamente à pergunta. Esses tipos extremos, quando alegam tirar suas conclusões a partir do raciocínio, demonstram que a perspectiva adotada não é válida, pois o mesmo tipo de raciocínio gerou conclusões opostas. Kant demonstrou isso com grande elegância.

Há respostas com graus de certeza intermediários, do tipo: i) tenho quase certeza de que Deus não existe (Richard Dawkins); ii) tenho quase certeza de que Deus existe (frequentador inseguro de igrejas).

Há respostas do tipo: não posso ter certeza, mas tenho mais a ganhar se acreditar na Sua existência (Pascal). Ou, não posso ter certeza, mas minhas análises a respeito deixam-me seguro quanto a não ter que me preocupar com esse assunto, desde que eu faça o melhor possível para viver com dignidade (Buda).

Voltaire, tido por ateu por muitos, ressaltava que não tinha dúvidas sobre a existência de Deus, embora não pudesse concebê-lo adequadamente; porém, tinha certeza que a igreja visível e burocrática tornara-se usurpadora da Sua autoridade, cometendo as maiores infâmias em Seu nome, as quais ele combateu de forma contundente.

Algumas pessoas, ao invés de responder, perguntam: - Do que você está falando? A palavra Deus não tem significado. E acrescentam: - O termo técnico Deus pressupõe: 1) que ouve um consenso sobre o termo, referindo-se ele a algo existente ou não; 2) que alguém já fez a pesquisa e detectou algo a que chamou de Deus.

E ainda continuam: - No primeiro caso, a questão só interessa aos adeptos do pacto que gerou o consenso; no segundo caso, sempre que houver dúvida, é necessário que a pesquisa seja ratificada por pesquisadores independentes e insuspeitos. Pode-se dizer que a abordagem relatada é típica da atitude científica.

Há, ainda, respostas do tipo: - Deus não existe nem inexiste. Ele é o EU SOU, e se manifesta àqueles que O buscam com persistência, temor e tremor (Posição do Bhagavad Gita, Escritura sagrada hindu).

Há uma variação que diz que Deus sequer está acessível aos que O buscam por iniciativa própria, mas somente àqueles que Ele mesmo escolheu desde antes da fundação do mundo, independente de qualquer mérito pessoal (Calvino, baseado na Bíblia).

A conclusão sobre a existência ou inexistência de Deus não depende da maior ou menor inteligência do intérprete, embora as faltas de inteligência e de senso crítico possam permitir a crença num Deus criado pelo homem, por má fé ou por ignorância.

A comunicação da fé em Deus só pode dar-se, segundo Pascal, pela persuasão do coração, pois nenhum argumento racional pode dar conta da tarefa quando o outro lado, usando sua razão, apresenta argumentos contrários, mas igualmente lógicos, como demonstrou Imanuel Kant.

Contudo, há intelectos poderosos, como o de Chesterton, por exemplo, que usaram argumentos lógicos para defender uma visão ortodoxa de Deus e da Igreja Católica. Geralmente esse tipo de intelectual aceita a postura de Tomas Aquino, e rejeita a argumentação de Imanuel Kant quanto ao poder do raciocínio puro para provar a existência de Deus.

Os místicos das principais religiões afirmam que têm conhecimento de Deus pelo contato direto com Ele, por meio de experiências indizíveis (Apóstolo Paulo, no cristianismo; e Paramahansa Yogananda, na versão do hinduísmo que se pretende universal e comum a todas as religiões). Neste caso, prevaleceria algo parecido com a experimentação científica, em que a confirmação final de uma crença, hipótese ou lei, só pode ser ratificada pela experimentação controlada ou vivência, seja ela voluntária ou involuntária.

Porém, a fonte suprema para se conhecer Deus, sob a perspectiva cristã, reconhecida até mesmo por aqueles que aceitam a tradição, é a Bíblia. Sobre ela segue uma breve reflexão.


3) A Bíblia
A Bíblia pode ser vista: 1) como um livro comum; 2) como um livro sagrado; 3) como um livro divino. Há, ainda, quem defenda que ela é, como Jesus Cristo, humana e divina ao mesmo tempo.

Ao ser analisada como um livro comum percebe-se que ela é uma pequena coleção de livros. No conjunto, não há uma unidade que possa ser revelada por um sumário e por um prefácio e introdução do coordenador geral dessa coleção.

Em alguns momentos ela parece um livro de fábulas; em outros, um livro de história, ou de poesia, ou de sabedoria, ou de profecias. Em alguns desses momentos ela descreve ações abomináveis, do homem contra o homem e, eventualmente, ordens de Deus para que os eleitos façam coisas humanamente abomináveis contra os não eleitos.

Como um livro sagrado a Bíblia tem valor específico para quem a adota com essa finalidade. Porém, ela pode ser vista por qualquer pessoa como um livro sagrado para outros, sem que seja adotada ou respeitada.

Para os cristãos, a Bíblia não é apenas um livro sagrado. Ela é um livro divino, escrita por homens santos inspirados por Deus. Sob a perspectiva calvinista, a Bíblia é a Palavra inerrante de Deus, mas reconhece-se que a interpretação da mesma é feita por homens falíveis.

Entretanto, quem dá autoridade à Bíblia?

Os católicos romanos, dizem: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Calvino, disse: ela mesma, pois ela é a Palavra de Deus.

Até mesmo os reformadores, que não reconheciam a idoneidade humana acima da Bíblia, interferiram na delimitação dos livros que a compõem. Em relação à versão da Igreja Católica, eles eliminaram alguns livros que, segundo sua interpretação, eram apócrifos. Isto é, coube ao homem delimitar que livros que compõem a Bíblia que, por sua vez, e de acordo com a corrente de interpretação: i) é a Palavra; ii) contém a Palavra; iii) torna-se a Palavra. Mas, penso ser quase um milagre que essa divergência esteja restrita a um número pequeno de livros.

Já que, em última análise, o homem é obrigado a posicionar-se, às vezes contradizendo-se, mesmo quando se dizem mutuamente inspirados por Deus, torna-se necessário refletir sobre a falibilidade humana para realizar qualquer tarefa, fale o homem em seu próprio nome ou em nome de Deus. Isso será feito a seguir.


4) A falibilidade humana
O homem é falível por natureza, mas também perfectível em diferentes graus, de acordo com a crença adotada como referência para se analisar a questão. Inicio esta reflexão pela falibilidade humana considerada de uma maneira geral.

4.1 – A falibilidade humana em geral
Sob a ótica cristã, o homem é falível por ser pecador caído, mas pode evoluir gradualmente em perfeição aqui na Terra, e atingir a perfeição quando encontrar-se com Jesus Cristo após esta vida.

Segundo a ótica hindu, expressa no Bagavad Gita, o homem, embora falível por natureza aparente, é perfectível por ter, na sua essência, a perfeição divina, passível de realizar-se pela busca persistente de Deus em vários planos de existência.

A visão budista, sendo derivada da visão hindu, anuncia a perfectibilidade humana sem, contudo, fazer qualquer referência a Deus. Isso, pelo menos, para o grande público. Afirma-se que Buda teria mensagens mais elevadas para um público mais seleto.

Segundo a psicologia humanista (veja-se Abraham Maslow, por exemplo), o homem tem potenciais que estão inscritos na sua essência. O crescimento humano rumo à realização do potencial de dignidade que em si há, dá-se no movimento existencial, à medida que é ajudado e luta para satisfazer suas necessidades básicas, que são: fisiológicas, de segurança, sociais, estima, autoestima e autorrealização.

Freud advogou a natureza falível do ser humano. Mas defendeu que sua razão é uma fraca luz que insiste em iluminar a verdade. Para Freud, o homem aperfeiçoa-se quando seus instintos são impedidos, pela própria natureza, de ter pleno curso. Com isso ele se civiliza adquirindo os sensos de: parcimônia, ordem, limpeza, beleza e autodomínio.

Assim, há um consenso sobre o núcleo básico da natureza humana entre quase todos os pontos de vista inteligentes. A visão de que a perfectibilidade do homem está em regenerar-se por meio de sua fé e obediência a Jesus Cristo é, em minha opinião, a mais esperançosa, embora algumas doutrinas extraídas da Bíblia, sob as quais não há consenso amplo, afirmem que alguns homens, talvez a maioria, já nasceram para a perdição eterna, sem qualquer possibilidade de salvação.

Em seguida, refletirei sobre a falibilidade humana na interpretação de textos em geral, pois, para que se leia a Bíblia é necessário, antes, saber ler.

4.2 - A falibilidade humana na interpretação de textos
A falibilidade humana como intérprete de textos em geral é amplamente conhecida. Mas isso só faz diferença quando esses textos alteram o curso da vida daqueles que o lêem. Nos vestibulares, por exemplo, autores como Jorge Amado, Mario Lago e Adélia Prado, afirmaram que foram reprovados nas questões que se referiam aos seus livros. Mas isso talvez possa ser resolvido pelos cursinhos preparatórios para os vestibulares, que treinam seus alunos para fazerem as provas de acordo com a intenção daqueles que irão corrigi-las. Uma situação muito mais perigosa será apresentada a seguir.

Lênin (veja-se, por exemplo, o livro Lógica Formal e Lógica Dialética, de Henry Lefebvre) deixou documentado que, 50 anos após a morte de Marx, ninguém o havia compreendido. E isso pelo simples fato de que, para compreendê-lo, seria preciso compreender Hegel. Por outro lado, segundo alguns filósofos contemporâneos de Hegel – Schopenhauer, por exemplo -, ele ficou famoso por ter atingido os píncaros da obscuridade. Will Durant em A História da Filosofia, relatou - o que talvez seja uma anedota - que, após escrever vários volumes para responder a uma pergunta, Hegel teria afirmado: - Só um homem me entende neste mundo, e nem mesmo ele.

O relato do parágrafo anterior joga luz sobre a confusão gerada pelas pessoas que propõem sistemas dogmáticos a partir de temas polêmicos e textos herméticos. Isso aconteceu, por exemplo, com o marxismo e com o cristianismo. Os intérpretes dessas duas visões de mundo agrupam-se, desagregam-se e reagrupam-se. Indivíduos mais resolutos optam pela própria interpretação. O resultado é que, como um todo, essas visões se propagam, apesar das divergências de interpretação.

No dia-a-dia podem-se combinar a incapacidade de se compreenderem os textos mais simples com a incapacidade de se escrever com simplicidade. Em Como Ler um Livro, Adler e van Doren constataram, na década de 1970, que alguns dos melhores cursos de doutorado norte-americanos ofereciam disciplinas com nomes pomposos cuja função real era cobrir deficiências de leitura dos doutorandos. Os autores defenderam a tese de que, com o ensino sistemático da leitura de alto nível, poder-se-ia antecipar a formação de pessoas capazes de ler como pesquisadoras, e isso a partir do ensino médio.

A confusão é total. Pessoas que não aprenderam a ler em profundidade são postas em contato com textos mal escritos, ou escritos apenas para dar prazer ao leitor, sem compromisso com interpretações corretas. Por outro lado, intérpretes ditos especializados impõem significados não pretendidos pelos autores. Homens excelentes, que usavam mais diagramas do que textos, como aconteceu com Leonardo da Vinci, foram considerados incultos, enquanto outros, que usaram mais palavras do que as necessárias para falar do que não entendiam, foram tidos por sábios.

Supondo que o homem saiba ler textos em geral, ele precisa, ainda, saber ler a Bíblia. Conforme já se disse, para a leitura que visa apenas a tirar proveito das partes que não exigem interpretação, nada há a acrescentar. Porém, o homem gosta de discutir o que lê, inclusive, e principalmente, quando lê a Bíblia. Refletirei, pois, sobre as dificuldades de interpretação da mesma.


4.3 - A falibilidade humana na interpretação da Bíblia
A Bíblia, sendo um livro, exige interpretação humana. Os homens, por sua vez, usam-na para justificar todas as heresias. Mas, isso só acontece porque os intérpretes insistem em forçar significados para passagens que não compreendem, principalmente quando não fazem sua conexão com o todo.

Como já disse Calvino, entre outros, naquilo que é essencial, a Bíblia é absolutamente clara. O difícil mesmo é praticar os seus ensinamentos mais simples. Talvez por isso, algumas pessoas, ao invés de aceitarem o desafio da prática, gastam o seu tempo preparando um banquete mais suculento do que o alimento oferecido pela síntese feita pelo próprio Jesus Cristo. Entretanto, o banquete parece nunca ficar pronto e, enquanto isso, as pessoas que poderiam ser nutridas com um cardápio básico bem balanceado, acabam morrendo de fome ou ingerindo alimentos contaminados, embora esteticamente bem apresentados.

A Reforma Protestante do século XVI teve como causa principal uma possível deformação, em parte intencional, da interpretação da Bíblia, ultrapassando-a ou usando-a de forma maliciosa na criação de doutrinas estranhas. Por isso, a Igreja Católica foi questionada. A Reforma rompeu o dique do rígido sistema católico e permitiu que houvesse grande proliferação de interpretações defendidas não só como corretas, mas, às vezes, como as únicas corretas.

Martinho Lutero, tido como precursor desse direito inalienável do indivíduo de usar sua liberdade de consciência na interpretação da Bíblia, assim se expressou a respeito:

“A menos que eu seja convencido pela Escritura, minha consciência continuará cativa da Palavra de Deus – não aceito autoridade de papas e concílios, porque se têm contraditado. Não posso nem quero retratar-me porque ir contra a consciência não é certo nem seguro. Que Deus me ajude. Amém.” (Citado no livro Verdades Essenciais da Fé Cristã, de R. C. Sproul, 1º Caderno, pg. 30.)

Essa postura de Lutero endossou a ideia de que o indivíduo pode e deve examinar livremente a Bíblia, que alguns afirmam coincidir com o direito de interpretá-la livremente. Porém, Lutero não foi leviano a esse respeito. Como religioso treinado na leitura da Bíblia, ele tentou transferir para o povo sua experiência, indicando os livros pelos quais um leitor comum deveria começar sua leitura, e o que procurar nos demais livros. Suas instruções estão condensadas no livro Da Liberdade do Cristão, que pode ser encontrado por uma breve pesquisa na Internet.

Parece-me evidente que o livre exame – não a livre interpretação - é necessário para confrontar os líderes religiosos que tentam usurpar o poder de Deus por meio da interpretação da Bíblia. Porém, mesmo na filosofia e na ciência, que os ateus colocam acima da religião, a interpretação é problemática, como veremos em seguida.

4.4 - A falibilidade humana na filosofia e na ciência
Alguns filósofos e cientistas, especialmente se ateus militantes, ridicularizam a fé dos religiosos, alegando que o mais importante é o conhecimento propiciado pela razão. Geralmente eles reconhecem a falibilidade da filosofia e da ciência, mas alegam que elas procuram corrigir-se continuamente, não se fechando sobre dogmas.

A filosofia, segundo alguns dos seus mais respeitados representantes, trata das questões últimas que estão fora do alcance atual da ciência. Por isso ela é, acima de tudo, especulativa. Embora haja quem a veja como capaz de encontrar verdades apenas pelo pensamento racional, Imanuel Kant apresentou fortes argumentos de que ela não tem essa capacidade. Para Kant, a metafísica – o conhecimento que se diz além do que pode ser pesquisado pela ciência objetiva - não tem o direito de existir como ciência.

É notável, contudo, que um grande cientista como Einstein tenha discordado de Kant, alegando que a razão pode, sim, ter acesso a conhecimentos profundos por meio de axiomas de origem não detectável - eles viriam de outras regiões -. Porém, na visão de Einstein, um conhecimento dessa natureza, no campo das ciências passíveis de verificação experimental, só tem validade pública após sua validação por experimentadores independentes.

No campo da ética e da religião, Einstein ratificou a necessidade de se aplicar o raciocínio sem o apoio da experimentação, usando demonstrações racionais. Ele admirava, quanto a isso, Baruch Spinosa, que pesquisou a ética usando tal recurso. Mas Spinosa, tanto no campo judaico quanto no campo cristão, foi considerado um herege, principalmente por ter introduzido o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia.

Popper, um epistemólogo dos mais respeitados do século XX, afirmou que a ciência não trata de certezas. Ela seria, no máximo, um sistema de busca da verdade existente na natureza cujo método consiste na eliminação de erros. Mesmo as teorias mais avançadas não poderiam, na sua visão, ser referendadas por certeza científica, entre elas, por exemplo, a teoria da evolução, que ele chamou de “um programa de pesquisa”. Para Popper a verdade existe, mas o acesso a ela dá-se por aproximações sucessivas.

A fé, segundo o Apóstolo Paulo, é uma ante-sala para o conhecimento. Este, por sua vez, no que se refere a Deus, só se completará após esta vida. Disse Paulo, em palavras cujo espírito estou reproduzindo: - Em parte conhecemos, em parte profetizamos. Vemos agora como num espelho. Quando, finalmente, vier o que é perfeito, o que é em parte será aniquilado. A solução de Paulo para o peregrino neste mundo consiste em caminhar com fé, amor e esperança, usando sempre a razão para investigar tudo e ficar somente com o que é bom.

Em seguida será feita uma breve reflexão sobre a teoria do conhecimento, na qual fé e razão, tanto em sentido laico como religioso, se completam.


5) A teoria do conhecimento
Existem diversas teorias do conhecimento, mas apenas algumas poucas que podem ser confrontadas com a prática. Entre elas, sob a perspectiva secular, destaca-se a de Einstein, tanto por seus resultados como por sua capacidade de incorporar fé, intuição e razão. Sob a perspectiva cristã, há, em minha opinião, uma teoria do conhecimento implícita no Evangelho de Cristo.

5.1. A teoria do conhecimento segundo Einstein
A teoria de Einstein está descrita, entre outras, nas seguintes obras: 1) A Imaginação Científica, de Gerald Holton; 2) Notas Autobiografias, do próprio Einstein. Tentarei resumi-la no parágrafo seguinte.

O homem tem capacidade, em diferentes graus, de observar, experimentar, analisar e sintetizar. Ao fazer isso, partindo do conhecimento dado como certo em algum campo, ele exercita tais capacidades. Continuando seu exercício com base em alguma crença que ele adquire sobre a verdade, ou pela necessidade interior de buscar a verdade, pode ocorrer-lhe algum axioma básico. No exercício da experimentação, do raciocínio e do descanso, vem-lhe o axioma fundamental com plena convicção sobre a verdade contida no mesmo. Por definição, um axioma não pode ser provado. Segundo Einstein ele vem de “outras regiões”. Contudo, existem derivações lógicas que decorrem de um axioma. Quanto a essas consequências lógicas, é preciso realizar os experimentos necessários para confirmá-las, gerando, então, o conhecimento dito científico.

Esse foi o caminho seguido por Einstein para demonstrar que matéria e energia se equivalem segundo certo modelo matemático. Com isso ele destruiu o conceito convencional de matéria e, com ele, o conceito equivalente de materialismo. A matéria passa a ser vista como energia condensada. A energia como matéria expandida. A luz torna-se o referencial para se compreender o absoluto do ponto de vista do pensamento científico einsteiniano.

5.2. A teoria do conhecimento segundo Cristo
É evidente que Cristo não formulou teorias, mas acredito que se pode tirar de Suas Palavras uma teoria do conhecimento válida para o cristão.

Ele resumiu a própria condição para a salvação num axioma: - Amar a Deus de todo coração e entendimento, e ao próximo como a si mesmo. Eis, para Ele, a Lei e os Profetas. Em analogia com Einstein, poderíamos derivar as conseqüências lógicas aplicáveis à vida do cristão.

Ele afirmou: - Se praticardes as minhas Palavras ....

E ainda: - Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.

Cobrou não apenas fé, mas as obras que são inerentes à fé. Tendo reafirmado, em Apocalipse, que cada um será julgado por suas obras. E isso, evidentemente, significa obras produzidas pela fé.

Portanto, a teoria do conhecimento segundo Cristo é perfeitamente compreensível e simples, embora sua prática possa ser difícil. Mas a solução que Ele deu é que a culpa pela impossibilidade de certas práticas não seria cobrada daqueles que O seguem e tentam, honestamente, praticar o Evangelho, pois Ele assume os pecados daqueles que O amam e tentam imitar-lhe os passos, ainda que não consigam.

Caminhar com fé, amor e esperança, agora na síntese de Paulo, que também falava em nome de Cristo, é o que se espera do cristão. Isso deve ser feito no pleno uso de sua razão, mas sempre sabendo que a razão é um guia para pesquisar a verdade dada pela revelação de Deus e/ou intuição do buscador.

Fica implícito, para mim, que aqueles que não têm um espírito investigativo forte, mas que caminham com humildade e fidelidade à mensagem básica, estão até em melhores condições, pois suas mentes podem repousar diretamente no axioma verdadeiro: Deus, na pessoa de Cristo.

6) Conclusão
Quanto à existência ou inexistência de Deus, a questão é de fé, mas essa fé deve, e até mesmo pode, ser complementada não só pelo pensamento racional, como também pela prática. Quanto aos argumentos que decorrem do uso da razão pura, embora aceitos por alguns, são rejeitados por outros usando o mesmo tipo de raciocínio.

Quanto à possibilidade de interpretação de qualquer texto, sabemos que isso tem gerado muitas discordâncias na filosofia e nas ciências humanas em geral. Isso aconteceu, por exemplo, com o marxismo e com vários outros sistemas filosóficos.

Quanto à interpretação da Bíblia as dificuldades são ainda maiores, e isso tem sido provado através dos séculos. Porém, há nela passagens que a explicam e sintetizam com tal clareza que podem ser colocadas em prática por qualquer pessoa no uso normal de suas faculdades mentais.

A dificuldade central está na falibilidade humana para a realização de qualquer tarefa e, especial, a de pesquisar e interpretar. Entretanto, no caso do cristianismo, advoga-se que a verdade última foi revelada de forma clara, e que é preciso praticá-la prioritariamente, antes de preocupar-se com a interpretação de aspectos que a Deus não nos coube esclarecer de forma definitiva e acessível.

Em síntese, A VIDA CRISTÃ SAUDÁVEL DEPENDE DE SE RETOMAREM OS FUNDAMENTOS SOBRE OS QUAIS HÁ CONSENSO HISTÓRICO. ELES PRECISAM SER REAFIRMADOS, EXEMPLIFICADOS E ESTIMULADOS POR VÁRIOS MEIOS. SEM ISSO, DE NADA ADIANTA AVANÇAR NOS ESTUDOS QUE VISAM A TRAZER ALIMENTO SÓLIDO PARA AQUELES QUE AINDA NÃO DIGERIRAM O LEITE MATERNO.

7) Recomendações
A Escola Dominical precisa formar o leitor da Bíblia. Para as leituras daqueles textos dos quais se podem tirar proveitos imediatos, sem necessidade de interpretação especial, bastam as habilidades comuns de leitura em nível primário. Contudo, os textos passíveis de serem lidos nesse nível precisam ser indicados, como o fez Lutero para o povo alemão. Veja-se, sobre isso, o seu livro Da Liberdade do Cristão, disponível em português. Lutero indicou, para os demais textos, o que o Cristão deveria neles buscar.

Para leituras mais aprofundadas, o leitor precisa aprender a combinar as leituras prospectiva, analítica e sintópica. Esse tipo de leitura está explicado no livro Como Ler um Livro, de Adler e van Doren.

A leitura prospectiva, ou inspecional, consiste em se ter uma visão do conjunto antes de se tomar a decisão de aprofundar a leitura. Ela se aplica a capítulos de livros, a todo o livro, a muitos livros ou a temas. Com isso, identifica-se o foco para uma leitura aprofundada, seguindo-se com a leitura analítica e, se necessário, a sintópica.

A leitura analítica pressupõe que se vá a fundo aos significados que o autor queria dar aos textos para o contexto, além de se pensar nas possíveis lições dos textos para os tempos do leitor. A regra fundamental para esse tipo de leitura, no caso da Bíblia, foi chamada, por Calvino, de histórico-gramatical.

Para a descoberta do significado de passagens que não sejam de pronta compreensão, e sobre as quais há outros textos, é importante compreender a leitura sintópica, que consiste em fazer leituras de mais de uma fonte sobre o mesmo assunto para que o leitor possa descobrir o consenso e o dissenso entre os autores e, eventualmente, dar sua própria interpretação.

A capacidade de discutir sobre o que se lê exige, ainda, que o leitor tenha um domínio básico das principais teorias do conhecimento, incluindo os conceitos de verdade e os critérios da verdade. Quanto a isso, mais um a vez a fé tem um papel principal, bastando que se reflita sobre o seguinte impasse: “O problema central ao se pesquisar a verdade é encontrar um critério de verdade que seja verdadeiro.” Ele deve, portanto, e sob pena de ficar paralisado, adotar um critério que esteja de acordo com sua fé.

Por fim, o leitor deve compreender a importância da fé, mas esta em conexão com o uso da razão. Conhecendo os limites desta última, mesmo na ciência experimental, poderá sentir-se mais seguro pela aceitação de sua condição de “ignorante esclarecido” sobre as coisas de Deus. Assim, pode libertar-se da escravidão que lhe impõe a pressão por alegar conhecer o que não conhece.

O leitor bem preparado, em minha opinião, deve acatar as máximas de Wittgenstein, aqui reproduzidas de memória segundo julgo ser o seu espírito: - “Sobre o que se pode falar, é preciso falar com clareza. Sobre o que não se pode falar, é necessário calar-se”, pois, “A linguagem é um labirinto de caminhos. Você entra por um lado e sabe onde está; você chega por outro lado ao mesmo lugar e não sabe onde está.”


ALGUMAS OBRAS DE REFERÊNCIA PARA ESTA REFLEXÃO
1. Como Ler um Livro, de Mortimer J. Adler e Charles van Doren
2. Bíblia de Estudos de Genebra
3. As Institutas, de João Calvino
4. A Imaginação Científica, de Gerald Holton
5. Notas Autobiográficas, de Albert Einstein
6. Obras de Karl Popper: Conhecimento Objetivo; A Sociedade Aberta e Seus Inimigos; A Lógica da Pesquisa Científica.
7. O Problema da Verdade, de Jacob Bazarian
8. Verdades Essenciais da Fé Cristã, de R. C. Sproul, 1º Caderno
9. Da Liberdade do Cristão, de Lutero
10. Ortodoxia, de Chesterton
11. Coleção Os Pensadores: Imanuel Kant, Tomas Aquino, Voltaire, Pascal, Wittgenstein.
12. Deus, um delírio, de Richard Dawkins

Cristianismo crítico e prático

Considero-me um cristão crítico. Isso significa que suponho ter alguma capacidade de analisar e julgar a situação e, se necessário, protestar contra o erro intencional. Contudo, não me considero dono da verdade, nem tenho interesse em criticar quem dela se desvia com boa intenção, desde que esteja disposto a refletir com humildade.

Considero-me um cristão prático. Isso significa que não respeito teorias que não levem à prática. Alguém já disse que não há nada mais prático do que uma boa teoria, mas, em alguns casos, os teóricos são muito rigorosos sobre assuntos irrelevantes. Toda boa teoria serve à prática que, por sua vez, corrije a teoria. A prática, contudo, pode caminhar sem que haja uma teoria que a explique, principalmente naqueles aspectos ligados á vida diária. Suponho que esta afirmação reflete apenas o mais elementar bom senso.

Sou um cristão crítico-prático. Não sou um "protestante", pois acabou-se a guerra entre católicos e protestantes há muito tempo. Não sou um "evangélico", pois o termo foi usurpado por comerciantes da fé. Sendo crítico-prático, aceito a verdade, venha de onde vier. Mas, para isso, parto de uma metateoria do conhecimento que suspende o julgamento sobre qualquer assunto antes que ele possa ser discutido de forma responsável. Submeto os resultados da investigação feita aos diversos critérios da verdade. Contudo, sei que não posso compreender tudo e que, talvez, haja muito pouco que eu possa compreender sobre Deus. Por isso, contento-me com esse pouco.

Inicio este caminho após muita reflexão. Não pertenço a nenhum movimento. Nem desejo criar nenhum tipo de movimento. Pretendo apenas dialogar com pessoas sensatas que estejam procurando a verdade. Elas devem ser críticas em sentido construtivo. Minha meta é estimular a transformação pessoal, a partir do interior, mas que isso traga reflexos no ambiente em torno de cada um. Portanto, preconizo um um caminho ecologicamente saudável e propício à sustentabilidade da vida.

Não pretendo discutir doutrinas. Também não pretendo discutir com ateus e agnósticos. Porém, posso conversar com qualquer pessoa que seja gentil e siga as regras do diálogo civilizado. Tenho em mente, para descobrir a verdade acessível à pesquisa, o método de Einstein. Ele é, na minha opinião: simples, claro, conciso e profundo.

Que Deus me ajude!