sábado, 19 de fevereiro de 2011

A predestinação

Reflexão a partir das lições 21 - A Predestinação -, e 22 - Predestinação e Reprovação -, do livro de R. C. Sproul "Verdades Essenciais da Fé Cristã", Segundo Caderno, Editora Cultura Cristã, 2006.


RESUMO
A consulta aos textos bíblicos e estudos sobre predestinação levaram-me à seguinte conclusão: o tema não deve ser abordado diante do público em geral. Para o grande público é mais urgente reforçar a doutrina-raíz do Evangelho de Cristo, segundo a síntese feita por Ele mesmo, e/ou as mensagens que a reforçam, por serem portadoras de esperança aos que sofrem e aos que têm um coração amoroso e limpo. Já os estudiosos, que eles pensem mil vezes antes de reivindicar domínio sobre o assunto, pois, ao fazê-lo, poderão estar demonstrando querer ultrapassar a sabedoria do próprio Deus. Os teólogos clássicos, pelo menos, chegaram a um consenso: o assunto não deve ser apresentado a todos, de forma indiscriminada, pois isso, além de não trazer benefícios, pode trazer grandes malefícios.


1. INTRODUÇÃO
Afirma Sproul, na página 55 do livro acima citado, relativamente à Lição 1 - A Predestinação -:

"Praticamente, todas as igrejas cristãs têm algum tipo de doutrina sobre a predestinação. (...). Muitas igrejas, entretanto, discordam - muitas vezes veementemente - quanto ao seu significado. O ponto de vista metodista é diferente do ponto de vista luterano, o qual discorda do ponto de vista presbiteriano. Embora seus pontos de vista difiram, cada um deles está tentando chegar a uma sólida compreensão desta difícil questão de maneira apropriada."

"(...): desde toda a eternidade, antes mesmo que nós existíssemos, Deus decidiu salvar alguns membros da raça humana e permitir que o resto da raça humana perecesse. Deus fez uma escolha - escolheu alguns indivíduos para serem salvos na eterna bênção do céu e escolheu passar por sobre os outros, permitindo que sofressem as consequências dos seus pecados no tormento eterno do inferno.

A aceitação dessa definição é comum a muitas igrejas. (...). O ponto de vista não-reformado, defendido pela grande maioria dos cristãos, é que Deus faz essa escolha com base em sua presciência. Deus escolhe para a vida eterna aqueles que sabe que o escolherão. (...).

A visão reformada difere no fato de que ela vê a decisão final para a salvação nas mãos de Deus, e não nas mãos do homem. Segundo este ponto de vista, a eleição de Deus é soberana. Não se baseia nas decisões ou respostas previstas por parte dos seres humanos. Aliás, vê tais decisões fluindo da graça soberana de Deus."

Na Lição 2 - Predestinação e Reprovação -, página 58, Sproul continua afirmando: (...). "A eleição refere-se apenas a um aspecto da questão mais ampla da predestinação. O outro lado da moeda é a reprovação. Deus declarou que amava Jacó mas odiava Esaú. Como podemos entender essa referência ao ódio divino?

A predestinação é dupla. A única maneira de evitar a doutrina da predestinação dupla é afirmar que Deus predestina todos para a eleição ou que não predestina ninguém seja para a eleição seja para a reprovação. Visto que a Bíblia ensina claramente a predestinação para a eleição e nega a salvação universal, temos de concluir que a predestinação é dupla: inclui tanto a eleição como reprovação. A dupla predestinação é inevitável se tomarmos a Bíblia a sério. [grifo meu]"

Após tecer considerações lógicas decorrentes dos desdobramentos da predestinação dupla, Sproul termina suas considerações na página 59, de forma sugestiva:

"(...). Vamos deixar que o leitor decida."


2. PASSAGENS BÍBLICAS A RESPEITO DO TEMA
Não há dúvida de que a Bíblia afirma a dupla predestinação. Os textos citados por Sproul, embora não exaustivos, foram selecionados por serem inquestionáveis a esse respeito.

Na Lição 21, Sproul recomenda as seguintes passagens bíblicas:
Probérbios 16.4; João 13.18; Romanos 8.30; Efésios 1.3-14; 2 Tessalonicenses 2.13-15. Ao longo do seu texto ele ainda cita: Romanos 9.10-12,16 e Romanos 9.14,15.

Na Lição 22, as seguintes passagens sãos recomendadas:
Êxodo 7.1-5, Provérbios 16.4; Romanos 9; Efésios 1.3-6; Judas 1.4.

Porém, como sabemos, há passagens que se concentram somente no lado positivo da predestinação, dando esperança a todos que se sentem atraídos pelo Evangelho de Cristo. Esses textos não serão destacados nesta reflexão para que o foco sobre o assunto seja mantido na sua dimensão mais difícil.


3. EXEMPLOS DE ESTUDOS A RESPEITO DO TEMA

3.1 - Visão Católica
Veja aqui.

3.2 - Visão Reformada Calvinista
Veja aqui.


4. POSIÇÕES DE GRANDES TEÓLOGOS

4.1 - Agostinho de Hipona
Veja aqui.

4.2 - Tomás de Aquino
Veja aqui.

4.3 - Martinho Lutero
Veja aqui.

4.4 - João Calvino
Veja aqui.


5. COMENTÁRIOS E CONCLUSÃO GERAL
Voltemos ao que Sproul afirmou na página 55, relativa à Lição 1 - A Predestinação -, que foi destacado na introdução desta reflexão:

"Praticamente, todas as igrejas cristãs têm algum tipo de doutrina sobre a predestinação. (...). Muitas igrejas, entretanto, discordam - muitas vezes veementemente - quanto ao seu significado. O ponto de vista metodista é diferente do ponto de vista luterano, o qual discorda do ponto de vista presbiteriano. Embora seus pontos de vista difiram, cada um deles está tentando chegar a uma sólida compreensão desta difícil questão de maneira apropriada."

Ressaltemos algumas opiniões sobre como lidar com o assunto, estas tiradas das referências citadas no item 4:

Agostinho de Hipona
Não identifiquei uma posição simples e concisa, exceto, talvez, sua posição implícita de que Deus faz a eleição pela presciência da escolha humana, seja para a salvação, seja para a perdição. Esse posicionamento precisa ser confirmado.

Tomás de Aquino
"(...) deve-se dizer que ainda que a própria predestinação seja revelada a alguns por um privilégio especial, entretanto, não convém seja revelada a todos; pois neste caso os não-predestinados cairiam no desespero e a segurança de ser predestinado geraria negligência." Entenda-se que, quando ele se refere a predestinados, está se referindo à eleição para a vida eterna.

Lutero
Ele deu o seguite conselho a uma pessoa que estava muito ansiosa quanto ao fato de ser eleita ou réproba:

“Quando tais pensamentos a assaltam, você deve aprender a perguntar a si mesma: “Por favor, em que mandamento está escrito que eu deva pensar sobre esse assunto e lidar com ele?”. Quando parecer que não há tal mandamento, aprenda a dizer: “Saia daqui, maldito diabo! Você está tentando fazer com que eu me preocupe comigo mesma. Meu Deus declara em todos os lugares que eu devo deixá-lo tomar conta de mim [...]”. A mais sublime de todas as ordens de Deus é esta, que mantenhamos diante de nossos olhos a imagem de seu Filho querido, nosso Senhor Jesus Cristo. Todos os dias ele deve ser nosso excelente espelho, no qual contemplamos o quanto Deus nos ama e quão bem, em sua infinita bondade, ele cuidou de nós ao dar seu Filho amado por nós. Desse modo, eu digo, e de nenhum outro, um homem aprende a lidar adequadamente com a questão da predestinação. Será evidente que você crê em Cristo. Se você crê, então será chamada. E, se é chamada, então muito certamente está predestinada. Não deixe que esse espelho e trono de graça seja quebrado diante de seus olhos [...] Contemple o Cristo dado por nós. Então, se Deus desejar, você se sentirá melhor”.


Calvino
"Em primeiro lugar, então, quando os homens quiserem fazer pesquisa sobre a predestinação, é preciso que se lembrem de entrar no santuário da sabedoria divina. Nesta questão, se a pessoa estiver cheia de si e se intrometer com excessiva autoconfiança e ousadia, jamais irá satisfazer a sua curiosidade. Entrará num labirinto da qual nunca achará saída. Porque não é certo que as coisas que Deus quis manter ocultas e das quais ele não concede pleno conhecimento sejam esquadrinhadas dessa forma pelos homens. Também não é certo sujeitar a sabedoria de Deus ao critério humano e pretender que este penetre a sua infinidade eterna. Pois ele quer que a sua altíssima sabedoria seja mais adorada que compreendida (a fim de que seja admirada pelo que é). (...)."

Meus comentários
Eu não poderia esquecer das palavras de Cristo em Mateus 11:25: "respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos." Neste caso, parece que os pequeninos a que Ele se refere, a menos que sejam estimulados, nem fazem perguntas sobre o assunto, pois estão totalmente concentrados na prática efetiva do Evangelho.

Tendo em vista tudo o que foi dito até o momento, desisto da intenção de emitir opinião técnica sobre o assunto, embora eu tenha ensaiado uma resposta elegante para o mesmo com base na filosofia aristotélica. Evoco, para proteger-me, a doutrina expressa por Jesus Cristo em Marcos 12:30-31:

"Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes."

Aceita esta doutrina, devemos praticá-la, pois isso será bom para nós e bom exemplo para os demais. Não podemos ter a pretensão de, citando a predestinação, assustar os réprobos, pois eles já estão condenados, e, além do mais, nós não sabemos quais são eles. Por outro lado, de nada adianta ressaltar esta doutrina para alegrar os eleitos, pois, igualmente, eles já são eleitos, mas nós não podemos ter a pretensão de saber quantos e quais são eles.

Resta-nos, portanto, a alternativa de aceitar que o tema é bíblico, e que não deve ser rejeitado; mas que, também, não deve ser ressaltado para o público em geral, pois entre os seus componentes podem existir pessoas fracas na fé, e outras tantas com dificuldades de compreensão de um tema tão difícil.

Se, numa dada assembléia, o tema tiver que ser pregado, o bom senso diz que é preciso assumir que todos que estão na assembleia são, provavelmente, eleitos, mas que ninguém se orgulhe disse, pois o nome dos eleitos e róprobos é de conhecimento exclusivo de Deus. Que todos se esforcem, pois, para agir segundo a vontade dEle e que, pela fé e pelo amor, se empenhem a executar as obras que procedem da fé e do amor, gerando esperança para todos que se sentem chamados.

Tenhamos em mente Deuteronômio 29:29:

As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei.

Se você quiser a opinião de um calvinista presbiteriano, altamente qualificado, sobre como compreender o paradoxo da soberania de Deus frente à responsabilidade humana, leia o texto Eu Não Sei.


6. BIBLIOGRAFIA
Indicada ao longo da reflexão.

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