quarta-feira, 1 de junho de 2011

A fé do engenheiro

A fé, nesta reflexão, é entendida, inicialmente, em seu sentido genérico de "acreditar naquilo que não se vê". Ela é uma condição para toda busca, em todos os campos de atividades. Contudo, indo além dessa visão de uma fé natural, acredito que a fé em Deus é a mais alta fonte de autoconfiança que o homem pode ter.

Engenheiro, no sentido aqui adotado, é todo ser humano orientado para a obtenção dos resultados possíveis, tendo em vista as restrições inerentes à situação. Ele respeita as leis da natureza, mas pode agir, em termos práticos, sem conhecê-las. Neste caso, ele se orienta por experimentos. Na perspectiva desta reflexão, não há sequer necessidade de escolaridade formal para se pensar e agir como engenheiro.

A fé do engenheiro é tal que o seu possuidor não precisa esperar ter conhecimento absoluto para agir. Ele nem precisa discutir se existe ou não o conhecimento absoluto. Bastam-lhe os conceitos operacionais necessários e, mesmo eles, podem ser obtidos da prática orientada pela razão experimental. Na sua vida prática, o engenheiro não busca mais milagres do que pode obter usando sua inteligência para manipular os recursos que estão à sua disposição.

O engenheiro poderia ser chamdo de filósofo, se o termo filósofo ainda se referisse à pessoa amiga do conhecimento e da sabedoria. Mas o termo está desgastado, pois foi associado ao pedante que diz ser capaz de conhecer tudo somente pelo pensamento, sem alinhamento experimental com a realidade. O engenheiro poderia, ainda, ser um cientista, mas, igualmente, o termo cientista sofreu distorções. Ele hoje se refere a alguém que se especializou num campo restrito do conhecimento. Eventualmente o cientista, no mau uso de sua autoridade, é capaz de fazer afirmações charlatãs sobre aquilo que não conhece. Sobre Deus, por exemplo.

Alguns filósofos e cientistas afirmam que é possível aproximar-se progressivamente da "coisa-em-si" usando sua inteligência, vontade e ativa capacidade de experimentação. Nisso, comportam-se como engenheiros. Porém, o engenheiro não pode condicionar a sua ação ao conhecimento absoluto da "coisa-em-si". Ele é obrigado a partir do conhecimento parcial, desde que este lhe indique o caminho para a obtenção dos resultados de que necessita.

No extremo, filósofos e cientistras são místicos ou lógicos. Mas, se movidos pela visão do engenheiro, combinam mística e lógica, assim como indução e dedução, imaginação e ação, enfim, teoria e prática. Quanto a isso, os crentes e os ateus usam o mesmo método; e ambos precisam ter fé.

O homem de fé acredita naquilo que não vê. E, acreditando, busca. E, existindo o que busca, encontra. Mas, ele só saberá se existe ou não o que busca se for persistente e agir com paciência e fé. Cada um, portanto, só encontra aquilo que busca; mas, eventualmente pode tropeçar em "descobertas casuais felizes" se estiver bem atento.

Pergunta-se: Uma "coisa-em-si" inteligente, pode buscar o homem, ao invés de esperar ser buscada por ele?

Nisto se contradizem o espiritualista e o materialista. O primeiro acredita, se for Cristão, que a "coisa-em-si", como Realidade Suprema, ou Deus, só pode ser conhecida se Ela revelar-se ao homem. O segundo acredita que a "coisa-em-si" não é inteligente e ativa e que, portanto, não pode tomar a iniciativa de revelar-se ao homem. Em comum, os dois aceitam a intuição, mas a atribuem a fontes diferentes.

O engenheiro pragmático diz: - Toda essa discussão é-me indiferente. Busco; mas, se for buscado e encontrado, rendo-me à verdade. Analiso, mas aceito a intuição que me ocorre enquanto analiso, desde que confirmada por experimentos posteriores. Sou sujeito e objeto. Ajo e interajo. Sou prático, embora tenha em conta que a melhor prática vem da boa teoria.

O engenheiro crente diz: - Sou servo. Estou nas mãos de Deus, que é a Realidade Suprema. Se O busco é porque fui buscado por Ele. Nada vem de mim, mas o que em mim age vem de Deus.

O engenheiro ateu diz: - Tudo de que preciso para descobrir ou inventar está em mim. Não estou interessado na tal Realidade Suprema. Acho até que ela não existe. Mas, por via das dúvidas, não posso afirmar nada definitivo a esse respeito. Trabalho dentro das restrições que me são impostas pelas leis da natureza.

Ressalto, novamente, que me refiro ao engenheiro quanto à forma de pensar e agir. Ele pode ser qualquer ser humano que lida com a realidade de forma operacional, integrando teoria e prática, mas priorizando a prática na hora de obter os resultados de que necessita. Não há sequer necessidade de escolaridade formal para pensar como um engenheiro, mas o bom engenheiro é, sobretudo, um grande estudioso e pesquisador.

A fé, de muitas maneiras, remove montanhas. O engenheiro remove a montanha com máquinas. Embora a fé, em suas manifestações extremas, possa produzir milagres, Deus permitiu que a medicina, a engenharia, entre outras artes e ciências, tornassem real e produtiva a fé do homem engenhoso. Isso sob a perspectiva material e cultural; mas com inevitável apelo à transcendência.

Portanto, meu amigo, tenha fé. Mas não espere que Deus premie a sua preguiça de estudar e de trabalhar. Tenha fé, mas vá à luta. Não fique por ai esperando o milagre da imortalidade nesta vida. Lázaro foi ressuscitado, mas, com certeza, morreu de novo. Se ficar doente, procure um médico. Contudo, ore/reze para que Deus, se quiser, o cure diretamente ou inspire o médico para lhe dar o tratamento correto.

A fé do engenheiro a que me referi neste texto é a fé do homem trabalhador, estudioso e, ao mesmo tempo, conformado com a inevitabilidade do sofrimento e da morte. Considero-a a melhor fé, pois começa a trabalhar antes que a razão possa dar explicações, e penetra por regiões aonde a razão não pode ir sozinha.

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