quarta-feira, 14 de julho de 2010

Qual a origem deste texto?

Apresento este texto sem a sua fonte para você refletir. Será que ele está na Bíblia, ou é uma versão de algum texto bíblico? Será que ele é um texto filosófico, ou é um texto de alguma religião diferente do cristianismo?

A dúvida

Um homem sedento de Deus perguntou: - Servir-te a ti, Senhor, como o Deus Único, Manifesto - ou servir-te, como o Único, Imanifesto, Eterno e Universal - qual é o caminho melhor para os devotos?

A resposta de Deus

Aquele que, com firme fé, me cultua assim como me apreende em seu coração, sob a forma em que me pode apreender, esse me é querido e santo.

Mas, quem me compreende como o Eterno, o Anônimo, o Imanifesto, o Inconcebível, o Supremo, não limitado por forma alguma, o Infinito.

Quem me cultua deste modo, e, contudo, enxerga a minha presença em todos os seres, e, praticando o bem, vive jubilosamente - esse acabará por se unir a mim.

Entretanto, árduo é este caminho para os que procuram encontrar o Imanifesto por meio de um amor afetivo; difícil é esse caminho para os que ainda vivem em corpo carnal.

Mas, quem de coração puro se voltar a mim e fizer em meu espírito tudo quanto faz; quem renunciar a si mesmo e, dia e noite, firmado em mim, me servir -

Esse será salvo por mim do tempestuoso mar da existência desse inconstante mundo do nascer e do morrer, porque buscou refúgio em mim.

Pelo que, volta a mim o teu coração; apreende-me com todo o teu querer; faze repousar em mim o teu espirito e encontra em mim a tua beatitude.

Mas, se não fores capaz de me atingir em tão excelsa altura; se a tua mente, ó filho de terra, te levar às baixadas, por ser fraca demais para essa doação total - então procura trilhar o caminho menos árduo do devotamento afetivo.

Se nem desse devotamento fores capaz, cultua-me com tuas atividades; se a mim somente dedicares as tuas atividades, também atingirás a meta da perfeição.

Se mesmo disto fores incapaz, refugia-te a mim, renunciando aos frutos do teu trabalho, e serve-me com perfeita humildade.

Verdade é que o saber espiritual é melhor que o fazer material; porém, melhor que ambos é o amar integral - e isto requer total desapego; quem a tudo renunciar por amor, esse está perto da meta final.

Quem não quer mal a ser algum, e, liberto de ódio e egoísmo, é benévolo para com todas as criaturas; quem permanece fiel a si mesmo, no prazer e no sofrimento, sempre sereno e paciente;

Quem tem fé em mim e vontade reta; quem controla o coração e mantém a mente fixa em mim e, totalmente, com reverência e amor, se consagra a mim - esse me é querido.

Quem a ninguém ofende neste mundo, nem se sente ofendido por ninguém, mas paira acima de gozo e dor, liberto de cólera e temor - esse me é querido.

Quem nada aceita nem nada rejeita em interesse pessoal; quem se desapega de tudo que é perecível e só aspira ao imperecível - esse me é querido.

Quem é sereno e equilibrado em face de amigo e inimigo, impertubável em face de louvores e vitupérios, em face de calor e frio, em face de prazer e sofrimento, livre de qualquer escravidão - esse me é querido.

De todos o mais querido, porém, me é aquele que me ama acima de tudo, aquele cuja vida é amor - a esse tal amo-o sobremodo e alimento-o com meu amor.

(...)

Aquele que põe a sua confiança nesta doutrina e a aceita com fé, aquele que possui a sabedoria de lhe penetrar o sentido profundo e por ela orientar a sua vida - esse, após a morte, entrará na paz da mais alta beatitude.

(...)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Hábitos, virtudes e senso crítico

Esta reflexão não partiu de uma pesquisa focada. Contudo, já li, em tempos passados, bons autores sobre os temas do título acima. Se você quiser estudar o assunto, consulte, entre outras fontes:

1) Ética a Nicômaco, de Aristóteles;
2) As Virtudes e os Hábitos, na Suma Teológica de Tomás de Aquino;
3) O Evangelho segundo João;
4) A primeira epístola de Pedro;
5) As epístolas do Apóstolo Paulo, em especial, Romanos.

Os hábitos são disposições a que se acomodaram o corpo e o espírito. As virtudes são as disposições passíveis de mobilizar as ações em certo sentido ao invés de outro. O senso crítico é a capacidade de analisar e julgar.

Adquirir bons hábitos é um excelente investimento, pois eles são difíceis de fixar e, quando fixados, difíceis de mudar. Ter o hábito de cuidar da higiene pessoal, de respeitar o próximo, de limpar e não sujar, de ordenar os meios para se atingirem fins, entre outros, faz parte do capital humano para lidar com as exigências da vida por toda a vida.

Contudo, é preciso desenvolver as virtudes universais, válidas em qualquer tempo e lugar. Talvez elas possam ser desenvolvidas também commo hábitos. Elas podem ter diversos nomes, mas foram sintetizadas no Catecismo Católico (www.vatican.va) como: justiça, firmeza, temperança e prudência. Em verdade, essa nomenclatura vem de Platão. Os cristãos ditos reformados aceitam parte dessa nomenclatura, mas incluem outras de sentidos equivalentes ou que ampliam o seu campo de ação; por exemplo: industriosidade, integridade e vontade.

Porém, sobretudo, é necessário desenvolver o senso crítico para, acionando as virtudes universais, e de posse dos bons hábitos, julgar cada situação particular da vida e agir de acordo com as exigências das circunstâncias. Se selecionarmos alguns temas vitais para a sociedade e o indivíduo no século XXI, podemos decidir focar nossas ações.

Por exemplo, poderíamos pensar, como no Programa 5S, nos sensos de: utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina.

Com o senso de utilização podemos criar o hábito de não desperdiçar, além de dar a melhor utilização aos recursos disponíveis. Isso implica ter a consciência de que as pessoas têm necessidades e que, eventualmente, confundem-na com seus desejos. Aplicando o senso crítico, podemos abster-nos do consumo destrutivo.

Com o senso de ordenação criamos as condições para que os recursos sejam transformados, distribuídos e, finalmente, usados. Fazendo com que cada coisa esteja em seu lugar, e que se tenha um lugar para cada coisa, podemos avançar e pensar que cada um deve ter e fazer o que lhe compete. Sob essa perspectiva, justiça e ordem se equivalem. E, assim, pode-se obter uma maior eficiência na utilização dos recursos, sob algum padrão de qualidade do bem ou serviço produzido.

Com o senso de limpeza, podemos eliminar os obstáculos que impedem o fluxo de informações e materiais, assim como as emoções negativas que impedem o bom relacionamento e a boa qualidade da vida social. Não sujar é a regra fundamental, mas, se necessário, é preciso pegar na vassoura e limpar. Promover a alegria de viver, em ambiente livre de medo, de inveja, de cobiça e de sentimento de vingança. Perdoar o erro honesto, entre outras atitudes, pode fazer parte de um modo de vida verdadeiramente cristão.

A prática persistente desses três sensos leva ao senso de saúde. Os dicionários dizem que saúde vem de salvação e conservação da vida. A saúde, em sentido pleno, é que produz a felicidade projetável na eternidade. Teremos saúde perfeita somente quando estivermos com Deus, mas podemos experimentar aqui mesmo alguns momentos da alegria e da felicidade que a saúde plena nos fará sentir na eternidade.

Entretanto, na Terra precisamos desenvolver a autodisciplina nos limites das nossas possibilidades. Isto é, devemos não apenas seguir ordens, mas, aplicando o nosso senso crítico, tomar a iniciativa de fazer o que deve ser feito. Assim, combinando hábitos, virtudes e o senso crítico, consolidaremos nossa autodisciplina, que nos leva a cuidar de nossa saúde, que nos dará força e disposição para ordenar os meios para produzir e utilizar os bens e os serviços necessários ao nosso bem-estar individual e coletivo. Tudo isso pensando na sustentabilidade das gerações futuras.

Essa agenda que parece ser tão natural exige, contudo, que tenhamos fé, amor e esperança. Nosso patrono para seguir esse caminho é Jesus Cristo, com todo apoio que conseguirmos daqueles que já são seus íntimos seguidores, formais ou informais.

Eis uma boa agenda para revitalizar o cristianismo crítico e prático.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Calvino e sua influência no mundo ocidental

RESUMO
Este texto apresenta alguns excertos, tirados da literatura, para estimular reflexões sobre Calvino e sua influência no mundo ocidental.

1. A SITUAÇÃO QUE ESTIMULOU A REFORMA PROTESTANTE
Em seu livro João Calvino 500 anos, o Rev. Dr. Hermisten Maia, citando diversas fontes, relata os seguintes fatos que caracterizavam a Igreja Romana, e que teriam dado motivos para a ação vigorosa dos Reformadores Protestantes do século 16:


1.1 – O papado era uma potência religiosa e política, grande parte da vida econômica girava em torno das igrejas paroquiais, ocasionando insatisfação por parte das autoridades civis, devido à intervenção do papa em seus negócios;
1.2 A corrupção política, econômica e moral generalizada na “igreja” e no clero contribuiu para um sentimento anticlerical;
1.3 Profunda carência espiritual: a igreja tinha se tornado extremamente meticulosa no confessionário e, ao mesmo tempo, induzia os fiéis a realizarem boas obras que, como não poderiam deixar de ser, eram sempre insuficientes para eliminar o sentimento de culpa. (...);
1.4 As tentativas reformistas eram cruelmente eliminadas pela Inquisição e, algumas vezes, quando não se podia achar culpados, queimavam-se os inocentes;
1.5 O culto se tornou um ritual meramente externo, repleto de superstições, consistindo, em grande parte, na leitura da vida dos santos. (...):
Os deuses, deusas e semideuses do paganismo, as suas imagens e estátuas sagradas, transformaram os heróis do cristianismo e as suas supostas efígies em objetos de culto idólatra, em padroeiros e medianeiros. O politeísmo e a idolatria inundaram a igreja.

O nome Protestantismo aplicado à Reforma surgiria alguns anos depois, tendo sua origem na Segunda Dieta de Spira (abril de 1529), quando os cristãos, imbuídos do mesmo espírito de Lutero, declararam o seu protesto, reafirmando o seu apego à Bíblia e à necessidade de pregá-la contínua e exclusivamente. (...).

Deste modo, mais que um simples protesto, o termo Protestantismo foi usado no sentido de testemunho positivo a respeito da supremacia das Escrituras. (...). “O ‘protesto’ era, ao mesmo tempo, uma objeção, um apelo e uma afirmação.”


2. CALVINO
2.1 - Breve histórico,
Como relatado no livro do Rev. Dr. Hermisten, citado acima, “Calvino foi, sem dúvida, o principal arquiteto da tradição Reformada do Protestantismo. Ele nasceu em 10 de julho de 1509, em Noyon, Picardia, segundo filho de uma família de cinco irmãos. (...).

(...) ele adquiriu e aprendeu modos refinados próprios da nobreza, que o permitiram, posteriormente, transitar em todos os meios sociais com polidez. (...). Além de professores particulares, Calvino estudou na mesma escola dos filhos dos nobres de sua cidade, o Colégio de Capeto.”

Ainda segundo o Rev. Dr. Hermisten, “Não é possível as circunstâncias e a data da “súbita conversão” de Calvino, contudo as evidências apontam para um período entre 1532-1534. Portanto, em Orleans ou Paris.

Devemos estar atentos também ao fato de que a vida de Calvino, mesmo antes da sua conversão, não foi marcada por um comportamento dissoluto e imoral – tão comum nos jovens de seu tempo. Antes, a sua conversão, (...), foi uma transformação do Romanismo para o Protestantismo, da superstição papal para a fé evangélica, do tradicionalismo escolástico para a simplicidade bíblica.”

Entretanto, Calvino atuou numa época de guerra. A Igreja Romana tinha à sua disposição a força armada, a qual podia acionar indiretamente, sem sujar as mãos. Com isso, ele se envolveu em ações que exigiam um temperamento como o seu: piedoso, porém corajoso; capaz de apoiar o uso da força contra os inimigos, pois julgava ser um soldado de Deus. Em função disso difundiu-se uma imagem negativa sobre ele, como veremos a seguir.

2.2 – Algumas acusações que mancharam o nome de Calvino
2.2.1 - As acusações do seu inimigo Bolsec
A seguinte apreciação de Calvino pelo seu inimigo Jerônimo Bolsec, foi tirada do livro de Alister McGrath, A vida de João Calvino:

“A reconstituição histórica da complexa personalidade de Calvino tem sido bastante obstruída pela subsistência de uma imagem profundamente hostil ao Reformador, traçada por Jerônimo Bolsec, com quem Calvino se desentendeu em 1551. Ressentido com o episódio, em junho de 1577, Bolsec publicou um livro, Vie de Calvin, em Lyon. Calvino, de acordo com Bolsec, era irremediavelmente aborrecido, malicioso, violento e frustrado. Ele considerava suas próprias palavras como se fossem as palavras de Deus e se permitia ser adorado como Deus. Além de, frequentemente, ser vítima de suas tendências homossexuais, ele tinha o hábito de flertar com qualquer mulher que se aproximasse dele. (...) O mito de Bolsec, como tantos outros mitos que se referem a Calvino, sobrevive como uma tradição sagrada, por meio de uma repetição leviana, apesar de sua evidente ausência de fundamentação histórica.

No entanto, é bastante justo sugerirmos que Calvino não era propriamente uma pessoa agradável, faltando-lhe perspicácia, o humor e a cordialidade que faziam de Lutero uma pessoa tão divertida nas rodas que freqüentava. A personalidade de Calvino, como se pode inferir a partir de suas obras, é a de um indivíduo um tanto quanto frio e reservado, cada vez mais predisposto ao mau humor e à irritabilidade, à medida que sua saúde deteriorava, e dado a se engajar em brutais ataques pessoais contra aqueles com quem se desentendia, em vez de combatê-los apenas no nível de suas idéias.”

2.2.2 - O envolvimento de Calvino em ações violentas
Há informações a esse respeito no livro O Legado da Alegria Soberana, de John Piper. Piper faz questão de relatar os fatos e o contexto em que ocorreram. Na sua opinião, ninguém pode dizer que não faria o mesmo que Calvino, pois os tempos eram de guerra e sangue. Cita-se, por exemplo, o caso Serveto.

Miguel Serveto, espanhol, foi médico, advogado e teólogo. No dia 7 de outubro de 1553 ele foi queimado vivo em Genebra, sob acusação de heresia. Esse episódio, além de outros decorrentes da aplicação de uma rígida disciplina em Genebra, que contaram com o apoio de Calvino, faz com que muitas pessoas sequer consigam tentar compreender o que ele escreveu. É certo que ele teve de optar entre submeter-se passivamente ao mundo e à doutrina romana, ou agir com agressividade para dominar a situação. Ele optou por dominar o mundo, assim como Deus exigiu que Israel o fizesse no AT. Se alguém quiser julgá-lo com rigor por causa disso, terá de julgar todos os agentes de Deus no AT e toda a tradição cristã romana.

2.3. A sinceridade de Calvino refletindo sobre sua vida um pouco antes de morrer
No livro Cartas de João Calvino, publicado em 2009 pela Editora Cultura Cristã, pode-se ler, em sua carta de 28 de abril de 1564, dirigida aos ministros de Genebra:

“Tenho muitas fraquezas que vocês foram obrigados a tolerar, e o que é pior, tudo o que fiz não tem valido nada. Os ímpios agarrarão esta palavra, mas digo de novo que tudo que fiz não tem valido de nada e que sou uma criatura miserável. Mas posso, certamente, dizer isso: que tenho desejado o que é bom, que as minhas desvirtudes sempre me desagradaram e que a raiz do temor do senhor está no meu coração; e que vocês podem dizer que a disposição foi boa; e rogo-lhes que o mal me seja perdoado, e, se houve algum bem, que vocês se contentem com ele e o tomem como exemplo.

Quanto à minha doutrina, tenho ensinado fielmente e Deus tem me concedido graça para escrever o que eu escrevi com toda a fidelidade de que fui capaz. Não falsifiquei uma única passagem das Escrituras, nem dei a ela nenhuma interpretação errada, até onde sei; e embora pudesse ter introduzido sentidos perspicazes, se eu tivesse estudado perspicácia, lancei tal tentação sob os meus pés e visei sempre a simplicidade.

Nada escrevi motivado pelo ódio a alguém, mas sempre propus aquilo que considerava que fosse a glória de Deus. “

2.4 – Calvino e sua sistematização da Religião Cristã
Tenho em mãos a obra fundamental de Calvino, versão 2006, publicada pela Editora Cultura Cristã, com tradução de Odair Olivetti. Seu título: As Institutas da Religião Cristã. Conforme consta da apresentação dessa edição, a obra foi publicada pela primeira vez em 1556, em Basiléia, Suíça. Conforme se ressalta “Trata-se de um sistema completo de doutrina, que abrange as áreas chamadas de “religiosas”, mas também as que denominamos “seculares”, uma vez que toda a realidade se coloca sob a Soberania de Deus.”

No item Argumento do Presente Livro, à página 33, Calvino ressalta:

“(...). Embora seja fato que a Escritura Sagrada contém uma doutrina perfeita, à qual nada se pode acrescentar, visto que nela o nosso Senhor Jesus Cristo quis expor os tesouros infinitos da sua sabedoria, contudo, uma pessoa que não esteja bem exercitada necessita de alguma orientação e direção para saber o que deverá buscar, para que não fique vagando aqui e ali, mas tenha uma certa visão para pôr sempre a atenção nos pontos para os quais o Espírito Santo a chame. Portanto, o ofício dos que receberam mais ampla iluminação de Deus que os outros consiste em dar aos simples o que lhes é necessário a encontrar a essência do que Deus nos quer ensinar em sua Palavra.”

Vê-se que Calvino, assim como Lutero, desejava formar o leitor da Bíblia. Porém, organizando os pontos centrais numa doutrina que pudesse substituir a doutrina que julgava ter sido distorcida pela Igreja Romana. Ao destacar tais pontos, ele não fugiu daqueles mais difíceis, como a questão da predestinação, embora tenha ressaltado que esse tipo de assunto, especialmente este, poderia levar os homens a penetrar num pântano intransponível. E é exatamente disso que ele foi acusado por Chesterton no seu livro Ortodoxia.

A doutrina proposta por Calvino, ajustada por grandes estudiosos e piedosos homens puritanos, está contida, principalmente, na Confissão de Fé de Westminster, e constitui documento básico para os presbiterianos. Portanto, não será abordada neste texto. Mas vale a penas ressaltar o depoimento de Charles Haddon Spurgeon, considerado por muitos como o príncipe dos pregadores.

A Editora PES produziu um livrete com o nome Verdades Chamadas Calvinistas, extraída e adaptada da obra de C. H. Spurgeon, Autobiography: 1, The Early Years, Banners of Truth. Pp162-175, 1976. Seguem dois excertos do opúsculo.

“É muito importante começar a vida cristã acreditando em boas e sólidas doutrinas. Algumas pessoas ouviram vinte “evangelhos” diferentes durante um espaço de alguns anos; é difícil dizer-se quantos mais eles irão aceitar antes de chegarem ao fim de sua jornada. Sou grato a Deus por Ele ter me ensinado o evangelho e tenho estado tão perfeitamente satisfeito com isso que não quero conhecer nenhum outro. Mudanças constantes de credo certamente implicarão em perda para nós. (...).”

Para esclarecer que ele se referia ao “calvinismo” por não ter outro nome para a doutrina defendida por Calvino, afirmou:

“”Somente usamos o termo “calvinismo” por uma questão de brevidade. A doutrina conhecida como “calvinismo’ não teve sua origem em Calvino; acreditamos que ela se originou com o grande Fundador de toda a verdade. Talvez o próprio Calvino a tenha extraído dos escritos de Agostinho. E Agostinho, sem dúvida, chegou às suas conclusões através do Espírito de Deus, a partir do estudo diligente dos escritos de Paulo, o qual, por sua vez, os recebeu do Espírito Santo e de Jesus Cristo, o grande Fundador da era cristã. Portanto, usamos essa designação, não porque atribuímos uma importância especial ao fato de Calvino ter ensinado estas doutrinas. Estaríamos dispostos a chamá-las por qualquer outra designação se pudéssemos achar uma que fosse melhor compreendida e que, em sua totalidade, estivesse de acordo com os fatos.” – C.H.S.”

3. A INFLUÊNCIA DE CALVINO NO MUNDO OCIDENTAL
3.1 – O modelo: Genebra
As informações sobre a influência de Calvino em Genebra foram extraídas do texto O Ensino de Calvino Sobre a Responsabilidade Social da Igreja, de Augustos Nicodemus Lopes, um opúsculo publicado pele Editora PES, encontrável na Internet com este título.

3.1.1 – Genebra antes
“Graves problemas sociais afligiam Genebra naquela época (bem como a Europa em geral). Havia pobreza extrema, agravada por impostos pesados. Os trabalhadores eram oprimidos por baixos salários e jornadas extensas de trabalho. Campeava o analfabetismo, e a ignorância; havia aguda falta de assistência social por parte do Estado; prevalecia a embriagues e a prostituição. Destacava-se o vício do jogo de cartas, que levava o pouco dinheiro do povo. As trevas espirituais características da Idade Média refletiam-se nas condições morais e sociais das massas. Essa era a situação que prevalecia em Genebra antes da chegada da Reforma espiritual, a qual deu lugar, em seguida, a reformas sociais, econômicas e políticas, mesmo antes de Calvino chegar à Genebra.”

3.1.2 – Genebra depois da implantação do modelo calvinista por Guilherme Farel
“Guilherme Farel foi o grande líder destas mudanças em Genebra. Sob sua influência, o Conselho da cidade cria o Hospital Geral no antigo Convento de Santa Clara, para dar atendimento médico aos pobres.
O Conselho também passou a regulamentar a vida dos seus cidadãos: proíbem-se as danças de ruas, a polícia é mobilizada para manter a ordem nas ruas, são promulgadas leis que regulamentam o uso dos bares, que proíbem jogo de cartas, blasfemar o nome de Deus, e servir bebidas durante o horário do sermão. Torna-se proibido vender pão e vinho a preços acima dos estipulados; são proibidos todos os dias santos, à exceção do domingo. Passa a ser obrigatório a todos os cidadãos de Genebra irem ouvir o sermão de domingo, sob pena de pesadas multas. E a instrução pública se torna obrigatória, pela primeira vez na Europa. (...).”

3.1.3 – Genebra após a intervenção direta de Calvino
“Persuadido por Farel, Calvino se deixa ficar em Genebra para auxiliar nas reformas necessárias. Logo ficou claro que, para ele, isto incluía ir além das reformas eclesiásticas. Debaixo de sua influência, a Igreja passa a agir de forma marcante na vida social e política da cidade. Aquilo que ele expõe em suas Institutas procurou aplicar de forma prática às necessidades de Genebra.
O diaconato é organizado e entra imediatamente em ação. O Hospital Geral, fundado por Farel, dá assistência médica gratuita aos pobres, órfãos e viúvas, com médicos de plantão pagos pelo Estado. É criada a primeira escola primária obrigatória da Europa.
Os refugiados chegados a Genebra recebem treinamento profissional e assistência médica e alimentar, enquanto se preparam para exercer uma profissão.
(...).”

3.2 – Extensão da influência de Calvino
A partir de Genebra, a influência de Calvino se expandiu para a Europa e, posteriormente, por meio dos puritanos, para os Estados Unidos da América. No caso da Europa, destaca-se sua influência na Confissão de Fé de Westminster, que influenciou grandemente a Inglaterra. Em especial, por meio de Jonhn Knox, o calvinismo substituiu o catolicismo como religião oficial na Escócia, mas isso não foi conseguido sem batalhas sangrentas.

Nos Estados Unidos, a influência de Calvino chegou via puritanos da Inglaterra, e via presbiterianos da Escócia. Ali fundaram-se importantes universidades, sendo Harvard uma delas. A democracia, a liberdade com responsabilidade e o trabalho intenso, juntamente com uma vida frugal, teve importante papel na criação da cultura americana. Segundo Max Webber, no seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, os pioneiros americanos tinham um comportamento propício à acumulação do capital que veio alimentar o espírito do capitalismo. Contudo, esse capitalismo inicial era construído sobre base cristã, inclusive preconizando a justiça distributiva, o que veio a deteriorar-se mais tarde.

3.3 – Situação Atual do Mundo
Em termos materiais, o mundo nunca foi tão instruído e tão rico. Contudo, apesar de o número de cristãos nominais ser muito grande, tem-se a impressão de que o Planeta está sendo literalmente consumido. Há liberdade e democracia em quase todos os países, mas também muita manipulação das mentes humanas. Em países como Brasil, há grande distorção na distribuição das riquezas produzidas.

Em função do materialismo reinante, há vozes que defendem a necessidade da revitalização de um cristianismo integral conforme proposto por Calvino. Contudo, não há margem para o método usado por Calvino em Genebra, nem a possibilidade de implementar um calvinismo de Estado, por meio da guerra, como ocorreu na Escócia. A frugalidade e espiritualidade dos puritanos colonizadores dos Estados Unidos perdeu-se numa grande festa do consumo.

A influência do cristianismo, se revitalizado, depende de se conquistarem corações e mentes para o Cristo poderoso, porém humilde. A educação universal e de boa qualidade, a preparação das mentes para uma visão crítica da realidade e, sobretudo, o estímulo à busca do conhecimento de Deus e do homem, como preconizou Calvino, são ideais que continuam não apenas válidos, mas necessários.

4. CONCLUSÃO
Os ideais de Calvino de que a vida do cristão deve ser fiel ao Evangelho de Jesus Cristo continuam válidos para hoje. Mas o método de implementação desses ideais não pode ser o mesmo. A educação e o respeito à consciência individual são mais importantes hoje do que nunca. O amor continua, como na época de Cristo, sendo a síntese final do Evangelho, porém, este convertido à linguagem do respeito e da solidariedade como padrão universal de conduta. O meio ambiente precisa ser preservado para as gerações futuras. Enfim, os cristãos devem mostrar a que vieram colocando em prática o Evangelho do seu Grande Líder, Jesus Cristo, em todas as dimensões da vida.

5. PARA APPRENDER MAIS SOBRE O ASSUNTO
As Institutas, de João Calvino
As Cartas de João Calvino, de João Calvino
João Calvino, 500 anos, de Hermisten M. Pereira da Costa
A Vida de João Calvino, de Alister McGrath
Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental, Diversos Autores
Calvinismo, de Abraham Kuyper
O Pensamento Econômico e Social de Calvino, de André Biéler
Verdades Chamadas Calvinistas: uma defesa, de C. H. Spurgeon
Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Webber
John Knox: o patriarca do presbiterianismo, de Waldir Carvalho Luz