domingo, 12 de dezembro de 2010

Como Ler a Bíblia?

O dilema

RESUMO
Argumento que, ao ler a Bíblia, é preciso ter em mente um objetivo claro. Remeto o leitor a documentos escritos por especialistas, católicos e protestantes, que demonstram o quanto é arriscado colocar-se como examinador crítico ou intérprete da mesma. Ressalto que, naquilo que é essencial, ela é clara o suficiente para ser lida por todos; entretanto, naquilo que pode gerar interpretações passíveis de discordâncias doutrinárias, o leitor pode meter-se em conflitos hermenêuticos inúteis e perigosos que se têm arrastado por séculos.

1. INTRODUÇÃO
De acordo com a minha experiência de leigo, penso que se pode ler a Bíblia: 1. para alimentar-se daquele seu conteúdo que dispensa interpretação; 2. para confirmar ou negar afirmações de pessoas que a citam; 3. como especulador; 4. como intérprete.

Na modalidade 1, em que se busca alimento espiritual, a Bíblia pode ser lida por todos que saibam ler. Entretanto, é preciso que leitores mais experientes indiquem, paras os novatos, as passagens mais apropriadas para essa finalidade. Veja, por exemplo, o endereço http://cristianismocriticopratico.blogspot.com/2010/11/onde-procurar-na-biblia.html , onde postei indicações tiradas de fonte segura. Um leitor um pouco mais curioso deveria ler alguma Bílbia de Estudos da corrente interpretativa de sua preferência.

Quanto à modalidade 2, checar citações, a leitura é simples, e pode ser realizada sem problemas. Contudo, quando as citações estão no contexto doutrinário, é preciso interpretar, pois as mesmas citações podem ser evocadas para reforçar ou negar doutrinas incompatíveis entre si. Quando isso ocorre, cai-se na modalidade 4. Contendas sem fim podem resultar dessa postura. A esse respeito, reflitamos sobre Tito 3:9, que aconselha: "Mas não entres em questões loucas, genealogias e contendas, e nos debates acerca da lei; porque são coisas inúteis e vãs."

A leitura com a finalidade 3, de natureza especulativa, é feita geralmente por ateus militantes, ou por pensadores independentes que querem confrontar as interpretações que da Bíblia fazem os religiosos. Leitores com tendências neutras poderiam fazer também esse tipo de leitura, seja para extrair dela elementos da sabedoria universal, seja para analisar os textos da Bíblia ou o discurso dos religiosos que a interpretam. Geralmente esse tipo de leitura alimenta o agnosticismo e o ateísmo, mas pode, eventualmente, iluminar o caminho de alguns escolhidos que se encontravam perdidos.

Na modalidade de leitura número 4 busca-se interpretar a Bíblia. E é nesse momento que se deve tomar muito cuidado. Vejamos alguns documentos que tratam desse nível de leitura, dos quais darei os endereços, mas sobre os quais não farei comentários. Caso o leitor se interesse, poderá fazer a leitura dos textos indicados e tirar suas próprias conclusões, assim como tirei as minhas.

De uma maneira geral, todos os leitores podem tirar proveito se aprenderem a ler como pesquisadores. Para isso, leia aqui o resumo que fiz do livro Como Ler um Livro, de Adler e Van Doren. Embora os documentos que serão apresentados a seguir demonstrem o quanto é perigoso interpretar a Bíblia em sentido rigoroso para dar suporte a doutrinas, há recomendações de bom senso que são compatíveis com a arte de ler qualquer texto, e que são reconhecidas como válidas por todas a linhas interpretativas.

Algumas dessas recomendações estão no livro A Doutrina Cristã, de Agostinho de Hipona, o Santo Agostinho da Igreja Católica Romana: quando houver várias passagens sobre o mesmo tema, analisar todas elas, compará-las e adotar a mais simples e clara, sempre partindo do sentido literal; quando persistir possíveis contradições, não fazer opções, mas pedir esclarecimentos a especialistas; se persistir a dúvida, suspender o julgamento e reconhecer a finitude humana diante da infinitude de Deus.

A seguir serão apresentados os endereços eletrônicos de importantes documentos de especialistas sobre a interpretação da Bíblia. Não tenha pressa de lê-los; mas, se o fizer, leia-os com bastante cuidado. Em seguida, pesquise por contra própria outros documentos, sempre prestando atenção à credibilidade dos autores diante de sua linha interpretativa.


2. A CORRENTE CATÓLICA ROMANA

2.1 - A Posição Oficial da Igreja Católica
Quanto à posição da Igreja Católica, leia aqui, ou vá ao seguinte endereço:http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html#top

2.2. O Posicionamento Crítico de um Católico Romano Dito Tradicionalista Contra o Livre Exame Proposto pelos Protestantes
Leia aqui.

3. A CORRENTE PROTESTANTE

3.1 - A Posição de Lutero
As sugestões de Lutero podem ser encontradas no seu livro Da Liberdade do Cristão. Ele, que era professor de Bíblia credenciado pela Igreja Católica, aconselhava que a leitura deve iniciar-se pelos textos que ressaltam a espiritualidade, tais como: João, 1 Pedro e Romanos. Ele procurou, ainda, indicar o que se poderia encontrar na Bíblia como um todo. Lutero defendia o livre exame, mas não a livre interpretação. Ele aconselhou a não se fixar nos textos que descrevem muitos milagres, pois isso poderia desviar a atenção do leitor. Em última análise, ele próprio interpretou a Bíblia de forma diferente da Igreja Católica, tendo sido a principal força isolada a romper o dique do catolicismo.

3.2 - A Posição de Calvino
A posição de Calvino foi defendida na sua famosa obra Institutas da Religião Cristã. Assim como Lutero, ele defendeu que as passagens da Bíblia que são úteis para compreender as condições da salvação são perfeitamente claras, e podem ser lidas por qualquer um. Ele, embora tenha sido conhecido por sua coragem em acatar todos os pontos difíceis da Bíblia, como a predestinação, ressaltou que não se deve insistir muito em elucidar o que Deus ocultou. Nas Institutas ele procurou ressaltar os pontos que julgou serem os principais para se compreender a Bíblia e a doutrina de Cristo.

3.3 - Um Exemplo de Abordagem Acadêmica do Tema por um Calvinista
3.3.1 - Visão geral do tema
Leia aqui, ou vá ao seguinte endereço: http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/hermA_02.pdf

3.3.2 - Questionamento do método Histórico-Crítico
Leia aqui, ou vá ao seguinte endereço: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_X__2005__1/augustus.pdf

4. CONCLUSÃO
A julgar pelos textos apresentados, tanto a corrente católica como a corrente protestante age com responsabilidade na interpretação da Bíblia. Nenhuma delas propõe a livre interpretação, embora até mesmo os mais renomados especialistas possam contradizer-se uns aos outros numa mesma corrente e, em especial, quando são de correntes diferentes.

Quanto ao livre exame protestante, o pressuposto é que a Bíblia, embora não seja clara em todos os pontos, é suficientemente clara nos aspectos essenciais à salvação, e pode ser lida por qualquer pessoa alfabetizada. Para isso, os protestantes estimularam, desde o início, a educação universal e de qualidade para todos. Algumas entre as universidades atualmente mais respeitadas, como Harvard, por exemplo, foram criadas por eles com a missão inicial de preparar bons teólogos.

Para exames críticos de posições que se dizem bíblicas, o leitor deve ser especialmente qualificado. No caso do protestantismo histórico, conforme compreendo, esse livre exame visa apenas a identificar erros grosseiros de interpretação perpetrados por falsos profetas e/ou analfabetos funcionais. Contudo, de acordo com a minha experiência, os livre-examinadores nem sempre têm o preparo adequado e, de fato, colocam-se como intérpretes desastrados da Bíblia.

Assim, penso com o meu presumido bom senso: - O leigo não deve ler a Bíblia para interpretá-la, mas apenas para retirar dela o alimento espiritual de que necessita. Ao ler textos que não consegue compreender, ele deve partir do consenso daqueles que estudaram o tema com afinco e foram considerados competentes para fazê-lo, desde que suas interpretações tenham resistido às mais competentes críticas. Para isso existem as Bíblias de Estudo.

Entretanto, mesmo o leigo pode capacitar-se de tal maneira que se veja na obrigação de discordar totalmente de alguma intepretação tida por correta. Neste caso, ele deve limitar-se a instruir-se, e não colocar-se como instrutor alheio. Se, por outro lado, dispõe-se a difundir sua própria interpretação, que antes se submeta ao debate acadêmico rigoroso. Para tal é preciso estudar filosofia para entender teologia, além de conhecer aramáico, grego, latim, entre outros temas. Se não tiver esses pre-requisisitos, que se cale quanto à discussão dos temas polêmicos que se arrastam pela história da Igreja.

Assim, nunca é demais lembrar Deuteronônio 29:29: "As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei." Acatemos, ainda, a sabedoria expressa em 1 Coríntios, 13:12 "Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido."

Em síntese, é preciso ter coragem para dizer Eu Não Sei. A insistência em tentar conhecer o que está oculto na letra da Bíblia pode ser o caminho mais rápido para mergulharmos no abismo sem fundo do desastre espiritual. Necessitamos, pois, praticar o que nela está manifesto antes de desejar elucidar o que está oculto.

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